A vazão de importantes rios do país e o abastecimento de lençóis
freáticos, responsáveis pelo fornecimento de água potável para a
população, poderão ser comprometidos se a temperatura subir até 6 ºC nas
próximas décadas e o volume de chuvas diminuir, conforme cenário do
primeiro relatório de avaliação elaborado pelo Painel Brasileiro de
Mudanças Climáticas (PBMC) que considera que os níveis de emissões de
gases causadores de efeito estufa permaneçam altos.
Neste ambiente, a agricultura e o setor de energia do Brasil poderão
ser fortemente impactados, sob risco de queda brusca do Produto Interno
Bruto (PIB) e constantes crises que envolvem o abastecimento energético e
de segurança alimentar.
Dividido em três volumes, o documento feito por 350 cientistas de
diversas instituições será divulgado oficialmente nesta segunda-feira
(9) durante a 1ª Conferência Nacional sobre o tema, que acontece na
cidade de São Paulo.
Os dados foram coletados com a ajuda do "Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre”, primeiro
sistema nacional de simulação do clima global, que incluiu
características detalhadas do Brasil e do continente sul-americano neste
tipo de modelagem.
Os cientistas afirmam que o relatório não representa "o fim do mundo”.
No entanto, advertem que, se a situação atual de emissões de gases
permanecer e nada for feito pelo governo para prevenir eventos naturais
extremos, a situação pode se agravar.
Cada vez mais quente
Segundo o documento, a temperatura no Brasil pode aumentar de 3 ºC a 6 ºC até 2100, situação que ficaria ainda mais crítica com uma possível escassez de chuvas.
Na Amazônia, por exemplo, em 2100 a temperatura pode subir cerca de 6 ºC e a distribuição de chuvas na região pode cair 45%.
Desmatamento e queimadas no bioma podem contribuir para alterar drasticamente o ciclo hidrológico da floresta (principalmente entre os meses de julho e novembro), prolongando a estação de seca e alterando a distribuição de chuvas no país.
O calor acentuado, até 5,5 ºC a mais do que a temperatura registrada
atualmente, desencadearia um processo de desertificação da Caatinga,
bioma já considerado ameaçado de extinção. No mesmo cenário de emissões
altas, o Pantanal sofreria uma redução de 45% na quantidade de chuvas e
um aumento de 4,5 ºC na temperatura.
Mata Atlântica e Pampa também registram, segundo o panorama de altas
emissões, aumento na temperatura até 2100, de forma um pouco mais amena
se comparado com as demais regiões. No entanto, o que preocupa, segundo o
relatório, é o crescimento das taxas de pluviosidade.
Enquanto na porção Sul/Sudeste da Mata Atlântica a quantidade de chuva
pode subir até 30% nas próximas décadas, no Pampa, que abrange os
estados do Sul, esse cresce 40% – o que aumenta o risco de inundações e
deslizamentos em áreas costeiras.
“São projeções dentro de cenários extremos de emissões de gases de
efeito estufa. Se em 30 anos não mudarmos essa taxa atual, a temperatura
média anual do país já deve aumentar 1 ºC”, explica Tércio Ambrizzi,
professor titular do Departamento de Ciências Atmosféricas da
Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores do Volume 1 do relatório, que trata da “Base Científica das Mudanças Climáticas”.
Os cientistas alertam que, apesar da divulgação de informações sobre a
variação das chuvas, ainda há discordâncias referentes a estes índices,
que mudam de acordo com o modelo climático aplicado. Para eles, ainda é
necessário discutir mais o tema.
Rios mais secos e pesca ameaçada
Bacias importantes do leste da Amazônia (nas proximidades do Pará) e do Nordeste podem ter reduções significativas em suas vazões. A estimativa é de queda de 20%. Segundo o documento, o Rio Tocantins, que passa por Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, poderá ter uma redução de até 30% em seu escoamento.
Essa diminuição afetaria, por exemplo, a geração de energia elétrica
por hidrelétricas e a distribuição de eletricidade pelo país. Além
disso, forçaria o governo a utilizar as termelétricas, consideradas mais
poluentes.
No Sul do país, a Bacia do Paraná-Prata poderá ter aumento de vazão
entre 10% e 40% nas próximas décadas. No entanto, os cientistas apontam
que ainda há incertezas a respeito.
O relatório informa ainda que a mudança climática pode afetar as taxas
de recarga de águas subterrâneas, ameaçando a qualidade desse recurso
armazenado no subsolo. Os pesquisadores apontam que, mesmo sabendo de
tais consequências, ainda é prematuro afirmar quais danos ocorrerão
devido a poucas pesquisas realizadas sobre o tema.
Quanto aos oceanos, o documento diz que a acidificação será acentuada se as emissões de gases permanecerem altas e o potencial de pesca em toda a costa brasileira poderá diminuir em 6% nos próximos 40 anos.
Quanto aos oceanos, o documento diz que a acidificação será acentuada se as emissões de gases permanecerem altas e o potencial de pesca em toda a costa brasileira poderá diminuir em 6% nos próximos 40 anos.
Impactos na agricultura
Estudos utilizados pelo painel brasileiro para elaborar o relatório de avaliação apontam que as mudanças climáticas reduzirão a produtividade de quase todas as culturas agrícolas existentes no país atualmente. A previsão de perdas econômicas causadas por geadas e secas na agricultura gira em torno de R$ 7 bilhões anuais até 2020.
Previsões científicas apontam que, se nada mudar no cenário de
emissões, nos próximos sete anos o plantio de soja perderia 20% de sua
produtividade e 24% até 2050. Até este mesmo ano, a área plantada de
arroz no Brasil pode retroceder 7,5%, a de milho 16% e o cultivo de
algodão pode decrescer 4,7%. A safra de laranja também poderá ser
prejudicada por doenças prejudiciais ao fruto.
De acordo com Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa e coordenador do
Volume que trata sobre "Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação às
mudanças climáticas", o café-arabica, importante variedade cultivada no
país, também poderá sofrer com o calor. Plantado principalmente na
região Sudeste (Minas Gerais lidera a produção), este grão não
conseguirá se desenvolver em temperaturas acima de 34 ºC, oferecendo
risco à expansão da cultura.
Estima-se que até 2050 o clima influencie na perda de 10% de tudo o que
for plantado no país. “A alternativa será trabalhar com variedades de
café que tenham mais tolerância ao calor”, explica Assad. Apesar dos
riscos à agricultura, ele comenta que o setor é o que tem planos de
adaptação e mitigação mais avançados até o momento.
Em contrapartida, o calor pode beneficiar a cana-de-açúcar, planta
muito resistente ao calor e à seca. A principal mudança no cultivo de
cana ocorreria em São Paulo, onde haveria "transferência" da produção da
região oeste para o leste do estado.
Governo precisa agir contra desastres
Para Emílio La Rovere, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Volume 3 do relatório, que trata da "Mitigação à Mudança Climática", é necessário aperfeiçoar as políticas públicas voltadas à redução das emissões, planejando o combate a longo prazo, após 2020.
A data marca o prazo final para o cumprimento das metas brasileiras de redução de emissões, anunciadas em 2009 durante a conferência climática de Copenhague. Na época, o Brasil se comprometeu em diminuir entre 36,1% e 38,9% do total de emissões nacionais em comparação aos índices de 2005. Em junho deste ano, o governo anunciou que o país já atingiu cerca de 62% de sua meta.
La Rovere afirma que, se nada for feito para restringir as emissões pós 2020, o Brasil pode lançar na atmosfera 2,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente já em 2030. Para se ter ideia, o número supera o total de 2005, quando as emissões totalizavam cerca de 2 bilhões de toneladas. Em 2010, este número caiu para 1,25 bilhão de toneladas de CO2.
“Há uma dificuldade no pós 2020. Com o nível de desmatamento baixo, haverá uma pressão maior para o aumento da queima de combustíveis fósseis. Reduzir as emissões da indústria e dos transportes pode afetar a economia. A ideia é conseguir um crescimento econômico com menor consumo de energia e com mais energia renovável. Isso vai ser fundamental para que, após 2020, continuemos a reduzir as emissões”, explica Emílio.
Sobre planos de prevenção aos desastres climáticos, Eduardo Assad afirma que é necessário cuidar da já frágil região costeira do país, onde mora a maioria da população, realizando planos como o de zoneamento de risco urbano. Segundo ele, isso pode evitar, por exemplo, deslizamentos de encostas em períodos chuvosos.
“Não dá mais, como brasileiro, para aceitar mais desastres que matem
mais de mil brasileiros de uma só vez. Medidas protetoras e preventivas
têm de ser feitas urgentemente”, disse o pesquisador. "Os eventos
extremos estão acontecendo com maior frequência. A população que não
estiver preparada, vai sofrer com isso".
G1 Natureza
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