Maior consumidor mundial de agrotóxicos, o Brasil tem uma
oportunidade de reduzir a aplicação de químicos na lavoura após a
identificação no país, feita no ano passado, de uma praga exótica
quarentenária, a Helicoverpa armigera. A opinião é do engenheiro agrônomo José Roberto Postali Parra,
professor titular de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
Parra realizou a apresentação especial “Controle biológico no Brasil:
situação atual e perspectivas” no Simpósio Nacional de Instrumentação
Agropecuária, ocorrido de 18 a 20 de novembro, em São Carlos, na unidade
de pesquisa em Instrumentação da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa). O professor da USP também representou a FAPESP
na abertura do evento.
Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), “Semioquímicos na Agricultura”,
Parra destacou que o Brasil passa pelo momento mais propício para a
adoção do controle biológico na lavoura, que consiste no combate a
pragas agrícolas por meio de inimigos naturais como, por exemplo,
insetos ou até microrganismos como fungos, bactérias, vírus e
nematoides.
O INCT é financiado pela FAPESP em conjunto com o Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e com o Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
“Chegou o momento do controle biológico no Brasil”, afirmou o
professor da USP, que associa essa oportunidade à identificação no país
da lagarta Helicoverpa armigera, praga quarentenária que se alimenta de mais de cem tipos de culturas.
Dos algodoais do oeste da Bahia vieram alguns dos primeiros relatos
da praga. Também já houve suspeita da lagarta em plantações de feijão em
Goiás e no Tocantins e em outras culturas pelo Brasil.
“Como é um inseto de controle muito difícil e o uso indiscriminado de
agrotóxicos no Brasil gerou uma série de desequilíbrios, o controle
biológico passou a ser indispensável para o controle dessa lagarta”,
disse.
Trata-se de uma solução viável, mas que exigirá muita pesquisa
nacional, uma vez que não é possível importar soluções prontas de outros
países, de acordo com o especialista. “Nossas condições são únicas e o
controle biológico deve ser desenvolvido para a nossa realidade”,
afirmou Parra.
Esse controle está inserido na filosofia do manejo integrado de
pragas (MIP), um conjunto de medidas que visa manter a quantidade de
pragas abaixo do nível de dano econômico, respeitando-se critérios
econômicos, ecológicos e sociais, de acordo com o professor.
O MIP foi motivado também pelas consequências trazidas pelo uso dos
agroquímicos. Parra explicou que, até a década de 1960, os inseticidas
tinham uma forte participação no combate de pragas. Em 1948, o químico
suíço Paul Müller chegou a ser laureado com o Nobel de Medicina pelo
desenvolvimento do DDT, produto que conteve epidemias de tifo e malária
ao matar seus insetos vetores. No entanto, descobriu-se que o produto é
letal para pássaros e cancerígeno para humanos, o que fez com que fosse
banido a partir da década de 1970.
O uso disseminado e indiscriminado de inseticidas também provocou o
desenvolvimento de insetos resistentes a esses químicos. Outra
consequência indesejada é a contaminação ambiental, que pode levar a
problemas como a morte de abelhas, por exemplo.
“Todos esses fatores impulsionaram os trabalhos com controle
biológico, que envolve áreas como taxonomia, modelos de simulação,
ecologia, bioecologia, seletividade de produtos químicos e várias outras
áreas”, detalhou.
Biodiversidade pouco explorada
Um grande desafio para a aplicação do controle biológico no Brasil é o
subaproveitamento de uma riqueza natural: a sua ampla biodiversidade.
“Apesar de ser imensa, nossa biodiversidade é pouco conhecida, pouco
investigada e pouco explorada”, disse Parra, ressaltando que aí poderiam
ser encontradas fontes naturais para o combate de pragas.
O Brasil tem dez inimigos naturais disponíveis para a utilização no
campo; no mundo, são registrados cerca de 250, segundo Parra. No
entanto, o número de pragas conhecidas ultrapassa 500 espécies, o que
abre um imenso caminho a ser percorrido pela pesquisa.
As novas metodologias de controle biológico podem utilizar técnicas
modernas como sensoriamento remoto com hiperespectrômetros, aparelhos
capazes de detectar a presença de insetos na planta, mesmo que estejam
sob folhas ou no interior do vegetal.
Com essa técnica, é possível calcular a quantidade de insetos na
lavoura com precisão bem maior que os métodos tradicionais, como as
armadilhas de feromônios, armadilhas luminosas e a amostragem de insetos
por batimento de pano, que consiste em colocar um tecido branco nas
entrelinhas da plantação e chacoalhar as plantas para os insetos caírem
nele e serem contados.
“Isso é inviável em uma plantação de 50 mil hectares”, argumentou Parra. Por isso, drones
equipados com hiperespectrômetros podem mapear a quantidade e a
localização dos insetos para que a ação de combate seja direcionada a
esses alvos. Os dronestambém podem fazer uma liberação controlada de inimigos naturais de acordo com a incidência de pragas encontrada.
Essas novas tecnologias levam a outro gargalo: a sua transferência ao
produtor. Técnicas modernas exigem mão de obra especializada e um
serviço de extensão rural que saiba repassar esses conhecimentos, o que o
professor da USP considera um grande desafio.
A logística é outro obstáculo a ser superado devido à grande extensão
territorial do Brasil. “Estamos acostumados a falar sobre prazo de
validade e tempo de prateleira para patógenos, mas, quando produzimos
insetos, isso é mais complexo”, disse. O inimigo natural deve ser
lançado no campo no tempo de vida ideal, medido em dias, e seu
transporte para lugares distantes tem de ser feito em câmaras
frigoríficas.
Ao mesmo tempo, é preciso ter cuidado com predadores como as formigas que atacam a vespinha Trichogramma, um dos insetos mais populares no combate a pragas, inclusive à lagarta Helicoverpa armigera.
De acordo com Parra, o controle biológico será cada vez mais
difundido por necessidade e pressão dos mercados. Ele narrou o caso da
Espanha, maior produtor mundial de pimentão, que se viu diante da
proibição do uso de inseticida nessa cultura. Por conta disso, o país
foi obrigado a utilizar controle biológico.
“Estamos vivendo no Brasil um marco para o controle biológico. Se
continuarmos aplicando inseticidas de maneira indiscriminada, as pragas
vão aumentar. Temos necessidade do controle biológico e condições
favoráveis: biodiversidade, mercado agrícola forte e massa crítica de
especialistas para desenvolver a área”, disse Parra.
Por Fabio Reynol, da Agência FAPESP.
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