A mais longa estiagem dos últimos 100 anos no Rio Grande do Norte
está mudando hábitos e transformando paisagens interior a dentro.
Reservatórios secaram, cachoeiras desapareceram e o verde da vegetação
ganhou tons de cinza. O solo rachou, animais morreram, plantações foram
dizimadas. Os prejuízos, somente no ano passado, somam R$ 3,8 bilhões. E
o sertanejo, que sofre com escassez, agarra-se à fé. As previsões para o
ano que vem não são boas. Um reservatório com obras atrasadas e a
transposição do rio São Francisco, que sequer tem data para chegar ao
território potiguar, são as soluções apontadas pelos governantes.
Dos 167 municípios do estado, 153 estão em estado de emergência pela falta de chuvas.
Destes, 122 são abastecidos por caminhões-pipa. Em onze cidades, que se
encontram em colapso no abastecimento, o fornecimento de água está
comprometido e a Compahia de Águas e Esgotos (Caern) suspendeu a
cobrança das faturas. A maior barragem do estado, a Engenheiro Armando
Ribeiro Gonçalves, já atingiu o volume mais baixo de sua história. Nas
regiões afetadas tem gente que só pensa em ir embora.
Para ver de perto os efeitos da seca, equipes do G1 e da Inter TV Cabugi percorreram
aproximadamente 1.400 quilômetros. Durante cinco dias foram visitadas
19 cidades nas regiões Seridó e Oeste do estado. Em Acari, Antônio
Martins, Carnaúba dos Dantas, Currais Novos, João Dias, Luís Gomes, Paraná, Pilões, Riacho de Santana, São Miguel e Tenente Ananias
o colapso no abastecimento faz os moradores dormirem mal, angustiados
com a escassez. E é preciso levantar cedo para enfrentar as filas em
busca de alguma água. Já em Apodi, Caicó, Itajá, Jucurutu, Lucrécia, Parelhas, Pau dos Ferros e São Rafael, é o nível baixo das barragens que preocupa.
As respostas para o homem do campo são ruins não apenas quanto à
possibilidade de uma mudança no clima, mas também em razão das soluções
apresentadas pelos governos federal e estadual. A construção da barragem
de Oiticica, apontada como salvação para meio milhão de sertanejos,
segue a passos lentos.
O reservatório, que está sendo construído na cidade de Jucurutu,
na região Seridó, terá capacidade para 500 milhões de metros cúbicos de
água e será responsável pelo abastecimento de pelo menos 17 cidades. A
obra foi iniciada em 2013 e deveria ter sido entregue em junho deste
ano. Segundo a Secretaria Estadual de Recursos Hídricos, a expectativa
agora é que o serviço seja concluído até o final de dezembro de 2016. E
isso se a crise financeira não retardar ainda mais o trabalho.
Já a tão aguardada transposição do rio São Francisco, que de acordo com
o Ministério da Integração Nacional (MI) também beneficiará os
potiguares, sequer tem data para chegar ao estado. O MI explica que as
águas do Velho Chico virão até o RN de duas maneiras. Uma delas é com a
perenização do rio Piranhas/Açu. Significa que as águas do rio, que
nasce na Serra do Piancó, na Paraíba, devem ser represadas pela barragem de Oiticica antes que elas desemboquem na barragem Armando Ribeiro Gonçalves.
A outra forma de a água chegar ao estado será com a construção um
sistema denominado Ramal Apodi, uma etapa da obra que faz parte do
chamado Eixo Norte da transposição. Por este ramal, as águas deverão
correr por canais, túneis, aquedutos e barragens, totalizando 115,5
quilômetros de extensão. Para isso, ainda de acordo com o ministério,
estima-se que 857 propriedades terão que ser relocadas ou os donos
indenizados em treze municípios da Paraíba, Ceará e no próprio Rio Grande do Norte.
Em solo potiguar, a transposição afetará famílias em Luís Gomes, Major Sales e José da Penha, por onde o ramal passará até chegar ao açude público de Pau dos Ferros, de onde as águas partirão até Angicos,
já na região Central do estado. Ao final do percurso, 44 municípios
devem ser beneficiados. O MI afirma que todo o Eixo Norte tem
investimento orçado em R$ 5,25 bilhões e que já trabalha na elaboração
do edital de licitação para que os serviços no Rio Grande do Norte
tenham início. Só não disse quando.
Em Luís Gomes,
cidade potiguar que faz divisa com a Paraíba, muitos moradores já foram
procurados. José Vandilson Nunes da Silva tem 39 anos. Agricultor, ele
disse que no ano passado técnicos do Ministério da Integração Nacional o
contrataram para fazer a demarcação do terreno por onde o Ramal Apodi
vai passar. Ao mostrar as estacas fincadas no chão, ele contou que
recebeu a informação que pelas terras que ele possui, uma área de 2
hectares e meio, receberá algo em torno de R$ 40 mil.
O agricultor também mostrou o prédio de um posto de saúde que estava
sendo construído na região, e que teve as obras interrompidas porque
fica no caminho do ramal. “Pararam a obra na hora. Ia continuar pra quê?
Pra depois ter que derrubar tudo?”, ressaltou.
Convivência com a seca
Nesta semana, o ministro Gilberto Occhi anunciou que as obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco estão com 78,6% de avanço físico, segundo dados de agosto deste ano. Também de acordo com o MI, o Rio Grande do Norte deve receber R$ 6 milhões para a continuidade das obras da barragem Oiticica.
á o governo do estado, informou que está traçando estratégias de ação
para a convivência com a seca. O plano, para o qual foram pleiteados R$
63 milhões, é pensado para os próximos seis meses. “Estramos
enfrentando a maior crise hídrica da história do nosso estado”, frisou o
governador Robinson Faria. Segundo ele, três pontos principais compõem o
plano. No primeiro, o estado pretende equipar, perfurar e comprar
materiais para poços. O segundo diz respeito à forragem e ração animal,
principalmente para os pequenos agropecuaristas. O último, é sobre a
utilização de carros-pipa. Robinson quer que o Exército também abasteça a
zona urbana das cidades que estão em colapso.
Apelo
O governador também tratou da transposição do São Francisco. Ele disse que enfatizou o apelo já feito a presidente Dilma Rousseff para que ela considere, na execução do projeto, a inclusão da obra do canal que liga as barragens de Caiçara a Engenheiro Ávidos. A obra, orçada em aproximadamente R$ 150 milhões, vai captar água no município de São José de Piranhas (PB) e jogar na bacia Piranhas-Açu (RN), o que segundo ele anteciparia em quase 2 anos a chegada da água do Velho Chico ao Rio Grande do Norte.
Vontade de ir embora
Silvano Soares Santos é servente de pedreiro, mas está desempregado. A mulher dele, Daiane Ferreira, vive de uma aposentadoria que recebe do INSS por ter epilepsia. O casal mora em Caicó, na região Seridó potiguar, uma das que mais sente a estiagem. Se não voltar a chover até o final do ano, Silvano e Daiane prometem ir embora para Brasília.
“Minha mãe, que é de Brasília,
morava aqui com a gente. Ela não aguentou essa seca e voltou pra lá. É
isso o que nós vamos fazer também se o tempo não melhorar. Lá em
Brasília meu marido tem mais chances de conseguir um trabalho”, disse a
mulher. Silvano concorda. “Viver com um salário mínimo é muito difícil. E
ter que gastar com água é pior ainda. Temos três filhos pequenos, de 6,
8 e 11 anos. Aqui é muito sofrimento para eles”, acrescentou.
Em Caicó, o fornecimento de água acontece na forma de rodízio. Cada
bairro da cidade só recebe água uma vez por semana. O açude Itans, que
abastece o município, está quase seco. O reservatório chega a armazenar
81 milhões de metros cúbicos de água, mas com menos de 4% da capacidade
total já entrou no volume morto.
Quem também pensa em fugir da seca é a dona de casa Alzirene Oliveira, de 57 anos. Ela mora em Antônio Martins,
que fica na região Oeste. A cidade é uma das onze que está em colapso
no abastecimento. “Isso não é vida. Vou embora pra Natal. Se não voltar a
chover logo, arrumo minhas tralhas e vou tentar coisa melhor na
capital”, afirmou.
Em Antônio Martins, a zona rural é abastecida pelos caminhões-pipa do
Exército. Já na área urbana da cidade, a Caern faz o fornecimento.
Segundo o pipeiro João Batista, são cinco veículos contratados pela
companhia. "Cada carro faz cinco viagens por dia. Só não rodamos nos
sábados", explicou.
G1
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