O diretor do Parque Nacional da Serra da Canastra, Luiz Arthur Castanheira, disse em entrevista ao G1 na tarde desta terça-feira (23) que a nascente do Rio São Francisco, situada em São Roque de Minas,
secou. Segundo Castanheira, essa nascente é a principal de toda a
extensão do rio, que tem 2.700 km. O São Francisco é o maior rio
totalmente brasileiro, e sua bacia hidrográfica abrange 504 municípios
de sete unidades da federação – Bahia, Minas Gerais, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, Goiás e Distrito Federal. Ele nasce na Serra da
Canastra, em Minas, e desemboca no Oceano Atlântico na divisa entre
Alagoas e Sergipe.
Segundo Castanheira, o motivo é a estiagem. "Essa nascente é a
original, a primeira do rio e é daqui que corre para toda a extensão.
Ela é um símbolo do rio. Imagina isso secar? A situação chegou a esse
ponto não foi da noite para o dia. Foi de forma gradativa, mas desse
nível nunca vi em toda a história”, afirmou.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, disse ao G1
que, embora a notícia ainda não tenha chegado oficialmente ao
conhecimento do comitê, não causa surpresas em virtude de essa ser uma
das estiagens mais graves desde que foi iniciado o acompanhamento
histórico do rio. Para ele, a situação é preocupante, já reflete no
nível das barragens e ameaça a biodiversidade do São Francisco.
“Isso não é comum, é preocupante. Não há dúvida de que algo em grande
escala está mudando em nosso ecossistema. As principais barragens do
Alto São Francisco, que são a de Três Marias e Sobradinho, estão sendo
ameaçadas e se aproximam do limite de volume útil de água. Ou seja, a
água dos principais afluentes está chegando ao nível zero, e a
biodiversidade do rio está comprometida, além de a qualidade do rio
estar se deteriorando", explicou Miranda.
O volume útil da Represa de Três Marias, que é a primeira barragem
construída ao longo do rio, chegou a registrar 6% nesta semana. A de
Sobradinho, 31%. “São níveis baixíssimos e que causam impactos
catastróficos, como já vem ocorrendo no Baixo São Francisco. Com o nível
baixo, o oceano está invadindo o rio e salinizando a água doce”,
concluiu Miranda.
Ele ressaltou que, apesar de a nascente em São Roque de Minas, no
Centro-Oeste do estado, não ser determinante para o volume de água da
bacia, ela serve como um "termômetro", uma vez que o nível dos
reservatórios da região é fundamental para o São Francisco.
Soluções
O presidente do Comitê da Bacia do rio diz que não se pode contar com o período mais úmido que deve vir após outubro. Ele defende que, independente das mudanças climáticas, a questão é emergencial e, para ser amenizada, deve-se mexer no modelo da bacia enérgica do São Francisco, realizando um grande pacto das águas.
Anivaldo Miranda pontuou ainda que o poder público deve tratar a bacia
hidrográfica com prioridade por ser uma das principais do Brasil e estar
entre as mais vulneráveis. “O rio atravessa quase 1 milhão de
quilômetros quadrados de região semiárida, atende a região nordeste e
grande parte de Minas, onde há grande vulnerabilidade hídrica”, afirmou.
Diante dessa situação crítica, que na visão do especialista começou a
se agravar em abril do ano passado, o Comitê da Bacia do São Francisco
vai realizar audiências públicas com pessoas diretamente ligadas à
bacia. O diálogo terá duração de 18 meses e será feito com o governo
federal, municípios, usineiros, mineradores, pescadores, população
nativa das comunidades ribeirinhas e comunidade civil. O objetivo das
audiências será discutir sobre o futuro da bacia e apresentar a urgência
de investir na recuperação hídrica do São Francisco.
Incêndios
Para piorar a situação, a seca tem causado vários focos de incêndio no Parque Nacional da Serra da Canastra nos últimos meses – levando à utilização da pouca água do São Francisco para apagá-los. Em julho, o fogo devastou cerca de 40 mil hectares de vegetação nativa. “Combatemos as chamas usando água do parque, mas isso não foi o fator mais agravante. O que pesa mais é a seca, a falta de chuva. Corre pouquíssima água, e essa realidade é triste”, disse o diretor do parque. O incêndio mais recente durou quatro dias e, pouco depois, outros focos foram registrados.
A estiagem deste ano ocorre em todo o país há vários meses, exceto na
região Sul. Em Minas, diversas regiões enfrentam o problema da seca,
entre elas cidades do Triângulo Mineiro, Zona da Mata e Centro-Oeste do
estado, que já chegaram a decretar situação de emergência pelo
desabastecimento e a multar moradores flagrados desperdiçando água.
E as previsões são pouco animadoras. A primavera começou às 23h29 desta
segunda-feira (22) e, de acordo com o meteorologista Marcelo Pinheiro,
da empresa Climatempo, a tendência é que na estação a temperatura fique
de 2ºC a 3ºC acima da média nas regiões Sudeste, Centro-Oeste, Norte e
Nordeste. No Sul, a temperatura pode ficar até 3ºC acima da média.
Além disso, a primavera deve ser caracterizada por temperaturas um
pouco acima do normal e chuvas dentro da média na maior parte do país –
porém ainda insuficientes para resolver o problema de falta d’água nos
reservatórios. Especificamente para a região afetada pela seca no
Centro-Oeste de Minas Gerais, a previsão é de que o período de chuvas só comece em outubro.
G1
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