O terreno de pouco mais de 30 metros quadrados é um
oásis verde na imensidão de concreto e tijolos da Rocinha, uma das
maiores favelas da América Latina, na zona sul do Rio de Janeiro. O
pequeno canteiro é o primeiro de muitos que o projeto Rocinha Mais
Verde/Green My Favela, criado há cerca de cinco meses, pretende
implantar nos terrenos abandonados e depósitos de lixo da comunidade. A
finalidade é fazer com que as crianças cultivem alimentos orgânicos,
além de criar mais espaços verdes no morro.
Felipe Silva, de 8 anos, e o irmão Flávio Silva, de 11 anos, foram os
primeiros a chegar para o transplante das mudas. Ajudaram a arar a
terra, catar as pedras e se divertiram com a minhocas encontradas. “Não
precisa ter medo, pode pegar, ela não faz nada”, disse Flávio para uma
colega ao lado Felipe, com a minhoca entre os dedos. Gelson Souza, 11
anos, disse não gostar de mexer com terra, mas dava apoio ao irmão
Gerson Souza, 8 anos, que animado fazia os buracos para receber as mudas
de couve.
A risonha Stefany Pereira, 10 anos, entrou
tímida pelo portão do pequeno canteiro. Inicialmente, não quis
participar do plantio, mas minutos depois já estava com as mãos sujas de
terra, contando até dez em inglês e pedindo para que a fotografasse.
“Cerca de 95% das favelas são uma Amazônia de concreto. Queremos ocupar
os terrenos vazios, limpá-los e criar jardins orgânicos”, explicou um
dos idealizadores e coordenador do projeto, Tio Lino, como é conhecido
na Rocinha, onde mora há mais de 60 anos. “Nossa meta é que as crianças
aprendam a plantar e consumir seu próprio alimento brincando. Também
queremos desenvolver pequenas hortas em parceria com as creches da
comunidade para as crianças se alimentarem melhor, sem agrotóxico.”
As atividades ocorrem duas vezes por semana no terreno ao lado da
Creche Alegria da Criançada, na localidade do Valão. Além do cultivo da
terra e plantio, há dias para a observação de sementes com o uso de
microscópio, desenhos das frutas e vegetais cultivados no terreno, entre
outras atividades. “No jardim, as atividades também servem de lazer e
as mães sabem que as crianças estão seguras dentro da comunidade”,
explicou Lino.
Para a artista plástica Lea Rekow, que idealizou com Tio Lino a criação
do canteiro, é fundamental que a comunidade sinta o espaço como dela e
assuma integralmente a responsabilidade de mantê-lo. “Em todos os
projetos que desenvolvi nos últimos dez anos, em outros países, sempre
tive a convicção de que deveriam ser feitos para a comunidade e pela
comunidade. Para mim é fundamental empoderar as pessoas do local nesse
processo de plantio e cuidado dos jardins de forma autônoma,” destacou a
australiana, moradora da cidade há cerca de 3 anos.
Lea contou ter conhecido projetos bons e interessantes feitos por
estrangeiros que não tiveram êxito pela falta de comprometimento e
interesse da comunidade. “Não significa que, como estrangeira, devo
abandonar o projeto depois de implementá-lo. Posso continuar
colaborando, alimentando o site, por exemplo, procurando financiamento,
mas as decisões e o manejo precisam ser transferidos para quem vai
usufruir do projeto.”
O projeto foi recém-selecionado pelos
organizadores da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (Rio+20) para ser visitado durante o encontro, programado
para junho, na capital fluminense. Por causa dessa seleção, o projeto
receberá R$ 8 mil que serão usados para comprar mais adubo, sementes e
fazer oficinas sobre plantio orgânico e permacultura (sustentabilidade
dos assentamentos humanos).
A comunidade da Rocinha tem 100 mil habitantes e foi ocupada por
policiais, após décadas de domínio do tráfico armado. A previsão do
governo do Rio é implementar uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP)
na comunidade ainda neste ano.
Tio Lino desenvolve trabalhos com as crianças da Rocinha há mais de 20
anos e mantém a Escolinha Rocinha Mundo da Arte com ajuda de doações.
Para ele, mais importante do que implantar unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) em favelas é investir na educação e no saneamento
básico, além de criar áreas de lazer adequadas para os jovens e as
crianças. “Consegui tirar 47 jovens do tráfico ocupando-os com arte. Só
com arte. Essas crianças precisam de cuidado, atenção e ocupação,”
destacou o artesão.
Agência Brasil
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