No debate sobre o novo Código
Florestal, os dilemas sobre que Brasil o mundo precisa e o que estamos
dispostos a construir como nação numa perspectiva de sustentabilidade e
justiça social, com democracia, ficam em segundo plano. O debate está
restrito aos limites dados pelo agronegócio, entre o que seus promotores
acham aceitável para continuar se expandindo e o que a sociedade é
capaz de suportar, sem nada mudar no rumo já traçado. Na verdade, como
questão pública e política,
a mudança legal do Código Florestal é determinada por uma velha agenda
desenvolvimentista, hegemonizada pelos grandes interesses e forças
econômicas envolvidas na cadeia agroindustrial, um dos pilares do Brasil
potência emergente. Tudo que se fará não será no sentido de uma mudança
de rumo, mas de flexibilização de regras e condutas para continuar
destruindo.
Por que? Por que a destruição
ambiental não figura como questão neste debate? Por que é tão difícil
discutir nossa responsabilidade no uso do imenso patrimônio natural que
herdamos como país? Afinal, a biodiversidade – e floresta é um grande
celeiro de biodiversidade – é um dos bens comuns mais centrais para a
existência da vida,
da humanidade. Os sistemas naturais de reprodução de todas as formas de
vida no planeta Terra passam pela biodiversidade das florestas. O ciclo
da água, este bem comum sem o qual nenhuma vida existe, depende das
florestas. Floresta é vida!
Estamos contaminados por um
ideal de desenvolvimento industrial produtivista voltado à acumulação,
ao lucro, não à produção de bem estar e felicidade. Tudo é feito para
crescer, crescer sempre e sem limites, quanto mais rápido melhor.
Crescem os negócios, gera-se riqueza que destrói e exclui, o luxo e o
lixo. Quanto mais crescemos, mais destruímos, criamos mais lixo do que
bens. Socialmente, a lógica deste sistema não é satisfazer necessidades
humanas, mas criar um tipo de riqueza ditada pela acumulação, causa da
pobreza ao mesmo tempo. De forma desigual acumulamos, mesmo que na
rabeira todos estejamos contaminados pelo ideal de acessar a mais bens.
Não nos interrogamos do sentido de tais bens materiais, que são feitos
para ter vida curta e precisam ser substituídos logo mais, tudo para que
a produção e as vendas continuem a crescer e os capitais investidos continuem acumulando. No final da linha, muita destruição e injustiça social.
No centro de tudo, a relação desta
economia com os sistemas naturais. Para viver, é evidente que precisamos
extrair da natureza os meios que nos mantêm vivos. Mas, como o fazemos?
Podemos simplesmente extrair sem limites, sem preocupação com a
integridade dos sistemas naturais, nosso bem comum maior, com o qual
interagimos? Existe sustentabilidade da vida humana sem sustentabilidade
dos sistemas naturais?
O modelo industrial produtivista, que
está no centro do agronegócio, não se move pela sustentabilidade da
vida, de toda vida, destas e de futuras gerações. O critério é a
acumulação, não a vida ou a preservação dos bens comuns. Seu motor é a
conquista e dominação, herança deixada pela colonização. Hoje,
continuamos a empreitada da colonização, conquistando terras, subjugando
e expulsando os que vivem nelas, destruindo as suas florestas. Enquanto
houver terras para conquistar, o colonialismo interno vai nos empurrar
no caminho da destruição de matas e rios, não respeitando outros modos
de organização e vida. Neste modelo de colonização das florestas, não
importa que para plantar mil hectares de soja seja preciso destruir uma
floresta de 1 mil hectares, mesmo se para a soja sejam necessários
toneladas de agrotóxicos para protegê-la da biodiversidade teimosa do
lugar, vista como “ervas daninhas”.
É neste quadro que o debate do Código
Florestal deveria ser feito. Além disto, deveríamos levar em conta
que decisões sobre o uso de florestas do Brasil afetam o equilíbrio
ambiental do planeta inteiro e comprometem a vida de futuras gerações, a
começar pelos nossos netos e seus filhos. No entanto, estamos vendo o
imediato, o tamanho de nossa agricultura, suas exportações e as divisas
que geram ao país. Decididamente, estamos comprometendo o nosso futuro e
o do planeta junto.
Falta-nos muita grandeza neste
debate. Não pensamos que o caminho para o futuro passa por recriar
bases de sustentabilidade da vida. Preservar e recuperar as nossas
florestas é uma condição indispensável neste sentido. Mas parece que não
optamos pelas florestas e pela vida. Optamos pelo caminho mais curto de
crescimento, que tem como pressuposto o velho modelo primário
exportador, que nos torna dependentes de potências industriais e grandes
destruidores ambientais. Não é este o Brasil
emergente que o mundo precisa e que quem luta por democracia e justiça
social quer. O drama é que nossa política e, com ela, nossos sonhos e
desejos coletivos estão aprisionados pelo corporativismo do agronegócio.
O velho latifúndio comanda no Congresso Nacional, na casa que deveria
representar o Brasil em sua diversidade e complexidade. Só mais
democracia pode nos levar a superar este dilema.
Revista Forum
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