No dia 27 último, a seção de Esportes deste jornal informava que a
nadadora brasileira Poliana Okimoto – que ganhara no Mundial de
Barcelona medalha de ouro na maratona aquática de dez quilômetros, além
de medalha de prata nos cinco quilômetros e de bronze por equipes –
substituiu em sua dieta vários alimentos (glúten, açúcar, feijão,
abacate, fermento e chocolate) por tapioca, que lhe dá “energia
redobrada”. Dois dias antes o IBGE informara que a produção brasileira
de mandioca (de onde vem a tapioca) este ano, 21,4 milhões de toneladas,
está 8,4% menor que a do ano passado, quando já havia sido 24,5% menor
que a de 2011. Nas lonjuras, o falecido pesquisador Paulo de Tarso Alvim
deve estar balançando a cabeça, ele que afirmava, ironicamente, que “se
mandioca fosse norte-americana o mundo estaria comendo tapioca flakes e
mandioca puffs”. Mas esse alimento, o mais adequado para solos
brasileiros – não precisa de fertilizantes nem de agrotóxicos – vem
perdendo progressivamente espaço para as culturas de grãos exportáveis,
além de ter sido muito atingido no Nordeste por problemas climáticos.
E não é só na área da mandioca que estamos penando, no terreno dos
alimentos, no Nordeste e fora dele. Estamos com a menor safra de feijão
em mais de uma década; importamos (feijão!) mais de 3% do consumo
interno; o consumo por pessoa baixou de 18,5 para 16 quilos anuais – e
aí também pesam a substituição dos alimentos por culturas de exportação e
a perda de espaços pela agricultura familiar, já que 10% das
propriedades têm 85% do valor bruto da produção agrícola (Ipea, 7/6) e
quase dez vezes mais participação que as pequenas nos R$ 122 bilhões do
crédito, segundo os órgãos federais (23/7). Mas as pequenas é que
respondem por 70% dos alimentos no consumo interno.
São muitas as aflições nessa área dos alimentos. O Ministério do Meio
Ambiente (MMA), por exemplo, e o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud) estão concebendo (MMA, 26/7) um projeto-piloto de
uso da terra no Semiárido, que em 2014 começará a ser executado em
Sergipe, para ser replicado em outras áreas. O foco estará nos problemas
de erosão e esgotamento de nutrientes no solo, que têm forte influência
no avanço da desertificação e na produção de alimentos. Segundo o
Instituto Nacional do Semiárido, do Ministério da Ciência e Tecnologia,
só em 55,2 mil quilômetros quadrados problemáticos vivem 750 mil
pessoas, apenas no Sertão do São Francisco (BA) e na região dos Cariris
Velhos (PB). No Estado da Paraíba, nada menos de 54% do território sofre
com o problema, agravado pela menor infiltração de água em solos
compactados por métodos inadequados de cultivo.
Em Gilbués, no Piauí, outra área crítica, a desertificação é
acentuada pela infiltração natural a grandes profundidades da água de
chuva (pois ali chove 700 milímetros anuais, em média), favorecida pela
estrutura geológica. O Instituto Interamericano de Cooperação para a
Agricultura (IICA) trabalha em projetos nessa e em outras regiões. Além
de Gilbués, mais três áreas são consideradas críticas: Irauçuba (CE),
Seridó (RN e PB) e Cabrobó (PE). Ao todo, estão ali quase 400 mil
pessoas. O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de
Satélites da Universidade Federal de Alagoas informa (O Globo, 9/7) que
230 mil quilômetros quadrados de terras foram atingidas “de forma grave”
ou “muito grave”.
Mas continuamos aferrados a velhas e falsas tentativas de solução –
como a transposição de águas do Rio São Francisco – para esse tipo de
problema e o de seca, como a que aflige hoje o Nordeste. E que, dizem os
meteorologistas, se pode estender até 2015. Segundo o Comitê da Bacia
desse rio, “falta planejamento ao governo federal sobre a expansão
desordenada da agricultura”.
O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lembrou no Dia
Mundial da Desertificação (Rádio ONU, 18/6) que “os custos políticos,
sociais e econômicos dos problemas gerados pela seca são evidentes, do
Usbequistão ao Brasil, da região do Sahel, na África, à Austrália (…). O
mundo não pode deixar o futuro secar”. E enfatizou ainda que 14% da
população global sofre, por essa causa, de insegurança alimentar. Mas
não apenas nessas regiões. No ano passado os Estados Unidos tiveram a
pior seca em 50 anos; o Chifre da África também, afetando 13 milhões de
pessoas. E por aí se entra no terreno das mudanças climáticas, que
aceleram a degradação de terras e a desertificação, assim como os
conflitos pelo uso da água.
Por aqui continuamos a fazer de conta que o problema da seca, que
atingiu mais de 1.400 municípios do Semiárido, está superado, quando
ainda prospera em boa parte deles o negócio de vender água levada por
caminhões em tonéis, a R$ 5 por 250 litros. Enquanto isso, sobe o
orçamento do projeto de transposição do São Francisco, essa “obra
absurda”, segundo João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco; “um
escândalo”, nas palavras do professor João Abner, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. O primeiro complementa dizendo que a
obra “beneficia o grande capital rural e industrial”. O segundo
acrescenta que “todas as grandes empreiteiras se beneficiam”.
E continua longe do ideal o projeto de instalação de cisternas de
placa em comunidades isoladas, que tem como objetivo 1,3 milhão de
poços. Há poucos dias a Petrobrás anunciou um programa para 20 mil, em
210 municípios. Com os recursos da transposição já poderia haver
cisternas construídas em todos os lugares necessitados.
Questões como essa precisam sempre trazer à mente palavras recentes
como as do papa Francisco: nada se deve sobrepor aos problemas sociais; a
prioridade absoluta é deles. Inclusive no Brasil, onde, pelos critérios
da ONU, ainda temos dezenas de milhões de pessoas (boa parte delas no
Semiárido) vivendo com renda abaixo da “linha da pobreza”, cerca de R$
100 mensais. Mesmo as que recebem Bolsa Família.
O Estado de São Paulo
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