Enxadas, facões e foices estão saindo da roça e ocupando os palcos
para contar a história de pessoas que vivem na zona rural do Semiárido
brasileiro. As ferramentas agora também fazem parte da cenografia de um
grupo de teatro formado por trabalhadores rurais da região da Borborema,
no agreste paraibano.
Situações vividas no cotidiano das
famílias do sertão são o ponto de partida para uma reflexão sobre a
agroecologia e os impactos do agronegócio na vida da plateia. Ontem
(30), o grupo formado por 12 pessoas representou para os cerca de 300
participantes do 3º Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores
Experimentadores do Semiárido.
Durante a apresentação, os participantes puderam ver a história de
duas famílias sertanejas, suas dificuldades e as soluções para o
convívio com a região, marcada por longos períodos de estiagem.
A encenação abordou de forma divertida o
uso indiscriminado de agrotóxicos, utilizados na agricultura
convencional. Os personagens Biu e Margarida formam um casal que planta
fumo para a Silva Cruz, uma empresa que produz cigarros. Os dois sofrem
com a imposição do uso de agrotóxicos e os impactos que eles geram na
produção. O resultado é que acabam endividados.
"Tem agricultor que se deixa levar pela
promessa de lucro que eles oferecem. Mas se a gente for pensar, no final
até a sua saúde sai prejudicada pelo veneno", opinou Luís Carlos,
agricultor que tem uma produção agroecológica de feijão e fava no
Semiárido baiano.
A segunda família, compadres de Biu e Margarida, trabalha com a
agroecologia. Tota e Bila, embora assediados pela Perdidão para que
troquem a produção familiar de mandioca e galinhas pela criação de
frangos de granja, mostram que a produção deles lhes garante segurança
alimentar.
"Agricultor pé no chão sabe que pode até ser custoso, mas a produção
da agricultura familiar é nossa, as sementes são nossas, dá para comer e
sobreviver, comprar uma outra coisinha ali e manter a dignidade", disse
Edileusa Santos, agricultora do Semiárido sergipano.
Para os agricultores, a peça mostrou que o assédio do agronegócio,
em vez de representar uma alternativa, é uma armadilha que subverte os
métodos tradicionais de criação animal e de cultivo do roçado. Segundo o
agricultor Ivanílson Estevão da Silva, um dos atores do grupo, o teatro
também permite valorizar o conhecimento tradicional.
“A gente trabalha todos os dias no sol quente para garantir o
alimento, o sustento familiar. Não temos acesso fácil à cultura, à arte,
por isso, minha felicidade é poder participar de um grupo teatral,
levar arte para quem nunca viu. Depois da apresentação, percebemos o
brilho nos olhos de quem nos assiste. Essa experiência chama a atenção
para o espírito de troca de conhecimento, a harmonia familiar, o
respeito e a valorização na questão de gênero", relatou Ivanílson.
Após o espetáculo, participantes do
encontro puderam compartilhar produtos e sementes em uma feira.
Participando do encontro, Vilma de Oliveira, produtora do município
baiano de Manoel Vitorino, conta que chegou a produzir de forma
tradicional, mas refez seu modo de produção e hoje sobrevive com os
quatro filhos da produção de umbu, fruta típica da região.
Vilma disse que, após um intercâmbio, ela
começou a produzir doces, biscoitos e compotas de fruta, e que parte da
produção é destinada ao programa de alimentação escolar do município.
"A partir disso [do intercâmbio] a gente foi aprendendo a fazer
compotas, doces, geleias e outros produtos. Inicialmente, a gente teve
problemas com a venda, mas hoje está tudo bem", conta Vilma, que é
integrante de uma cooperativa de beneficiamento que envolve quatro
famílias.
Os participantes do 3º Encontro Nacional de Agricultoras e
Agricultores Experimentadores do Semiárido compartilham experiências de
convívio com a região, onde predomina a Caatinga. Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Semiárido brasileiro
vivem mais de 27 milhões de pessoas, representando aproximadamente 12%
da população brasileira, espalhados em 1.133 municípios do Nordeste e do
norte de Minas Gerais.
Agência Brasil
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