Denunciado na semana passada pela imprensa inglesa, um projeto de
"fertilização" do oceano com sulfato de ferro na costa do Canadá,
financiado por um milionário dos Estados Unidos, reacendeu a polêmica
sobre o uso da chamada geoengenharia para reduzir efeitos do aquecimento
global. A maior ação do gênero posta em prática no mundo, alertam
especialistas, abre o perigoso precedente para outras experiências
invasivas na natureza.
O projeto, implementado em julho no arquipélago de Haida Gwaii, no
Pacífico, tem a intenção de aumentar a flora local de plânctons, que
absorvem o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Sem a avaliação dos
riscos ao ecossistema, no entanto, a experiência foi criticada pela
comunidade acadêmica.
Segundo o físico Paulo Artaxo, membro do Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC), a iniciativa é a que foi mais longe em uma
tendência mundial de tentar combater as mudanças climáticas com novas
tecnologias de engenharia.
"Existe um número muito grande de indústrias e financiadores
particulares milionários que estimulam a realização destas pesquisas",
afirma Artaxo. "Ainda não existem muitos experimentos práticos sendo
planejados, mas acho que é só uma questão de tempo."
O país com maior número de projetos, segundo o físico, é a
Grã-Bretanha, seguida pelos EUA. Outras propostas cogitadas em
congressos internacionais e feiras incluem a emissão de aerossóis na
estratosfera e o posicionamento de espelhos gigantes na órbita terrestre
- ações que, em tese, conteriam radiação solar para mitigar o aumento
da temperatura na Terra.
"Nenhuma das tecnologias apresentadas até hoje conseguiu lidar com os
efeitos colaterais negativos. O projeto no Canadá foi o primeiro
individual e sem autorização internacional. Esses experimentos não podem
nem devem ser executados, pois são uma distorção científica", diz
Artaxo. "Não há saída para a questão climática que não envolva a
diminuição das emissões de gases poluentes na atmosfera."
No País, não há registro de projetos do gênero em andamento. Mesmo
assim, o especialista defende que o assunto seja monitorado pelo governo
e a comunidade científica brasileira. "Devemos nos preparar para lidar
com essa questão, pois possíveis experimentos de geoengenharia na
Antártida, por exemplo, afetariam o País."
Lucro
A experiência no Canadá foi executada pela empresa Haida Salmon
Restoration Corporation (HSRC), aliada ao empresário norte-americano
Russ George, e despejou 100 toneladas de sulfato de ferro na costa oeste
para a proliferação de plânctons ao longo de 10 quilômetros quadrados.
Com o sequestro do CO2, o projeto pretende lucrar com o comércio de
créditos de carbono.
Paulo César de Abreu, do Instituto de Oceanografia da Universidade
Federal do Rio Grande (Furg), diz que a técnica é chamada "hipótese do
ferro" e existe desde o fim da década de 1980. "Foi constatado, porém,
que o processo pode culminar na liberação de metano, o que causaria um
problema ainda pior para a atmosfera", explica. "Não existe a proibição,
mas há um consenso entre pesquisadores de que essa técnica não deveria
ser feita em larga escala." Segundo ele, a Petrobrás consultou
especialistas sobre a questão, mas foi aconselhado o cultivo controlado
de plânctons em tanques para, posteriormente, serem introduzidos no mar.
Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário