Uma equipe de biólogos viajou em novembro à ilha Maria, a cinco
quilômetros da costa da Tasmânia (Estado insular no sul da Austrália),
levando consigo 15 cilindros de plástico. Logo depois, 15
diabos-da-tasmânia saíram dos recipientes, tornando-se os primeiros
animais da sua espécie a habitar a ilha.
"Tudo indica que eles estão indo muito bem", disse Phil Wise, biólogo
que trabalha para o governo e coordenador do projeto, referindo-se a
esses marsupiais de aspecto feroz que se tornaram uma espécie ameaçada
em grande parte da ilha que os batiza.
Nos próximos meses, a equipe planeja levar mais diabos à ilha Maria com a
intenção de estabelecer uma colônia saudável. O projeto é parte de uma
aposta ambiciosa: a sobrevivência de toda a espécie pode depender disso.
Muitas espécies estão ameaçadas de extinção, mas o diabo-da-tasmânia
enfrenta um inimigo singular: uma epidemia de câncer. A doença é um tipo
de tumor facial que evoluiu para um parasita com a capacidade de passar
de um animal para outro, matando suas vítimas em seis meses.
"Temos pouquíssimo tempo para salvar a espécie", disse a bióloga Katherine Belov, da Universidade de Sydney.
Uma rede internacional de biólogos levou uma década para entender essa
nova doença. "Foi uma tremenda luta só para entender algo do básico",
disse Elizabeth Murchison, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Ela e outros cientistas aprenderam muito sobre como o câncer evoluiu
para um parasita. Alguns agora tentam traduzir esse conhecimento em um
tratamento ou em uma vacina.
Mas não há garantia de que esses projetos irão salvar os diabos, então
Wise e seus colegas estão criando um plano de contingência: transformar a
ilha Maria em um refúgio livre do câncer para os diabos-da-tasmânia
selvagens.
"Se os diabos forem extintos na Tasmânia", disse Belov, "a doença terá
acabado [no local de origem dos animais], e eles poderão ser
reintroduzidos na natureza".
Ao examinarem as células dos tumores, os cientistas ficaram perplexos. O
DNA de cada tumor não batia com o do animal doente, mas sim com tumores
de outros diabos. Isso indicava que o câncer estava indo de um animal
para o outro.
Entre humanos, há alguns casos de pessoas que "herdam" tumores alheios
escondidos em transplantes de pele e órgãos. Na natureza, só há outro
exemplo conhecido de um câncer contagioso, um tumor canino.
Murchison comandou a equipe que sequenciou todo o genoma de duas células
tumorais. O grupo publicou o resultado em fevereiro de 2012 e depois
lançou um projeto para sequenciar centenas de outros genomas de tumores
faciais.
O câncer provavelmente surgiu na década de 1980 ou no início da de 1990
em um único animal, quase certamente uma fêmea. Uma célula nervosa no
seu rosto passou por uma mutação drástica: seus cromossomos
estilhaçaram-se e depois se religaram.
"É uma maluquice da natureza", disse Belov.
O câncer então contaminou outros diabos. Os animais brigam com
frequência, mordendo-se no rosto. Durante essas lutas, um diabo pode
arrancar partes de um tumor a dentadas. As células caem na corrente
sanguínea do agressor e viajam até seu próprio rosto, onde geram um novo
tumor.
Pesquisas recentes também indicam que esse câncer está em evolução.
Alexandre Kreiss, pesquisador do Instituto de Pesquisas Menzies, da
Tasmânia, disse que restam cerca de 35 mil diabos na região. O câncer já
devastou 84% da população de diabos-da-tasmânia.
O governo está submetendo uma "população segura", com cerca de 500
diabos, a uma quarentena em zoológicos e santuários. Já a população
selvagem na ilha Maria deve assegurar a existência de animais que não
fiquem dóceis demais para sobreviverem por conta própria.
Embora o diabo-da-tasmânia seja a primeira espécie conhecida a ser
ameaçada por um câncer contagioso, ela pode não ser a última."É bastante
provável que haja outros por aí que não foram identificados", disse
Murchison.
Folha de São Paulo
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