terça-feira, 22 de outubro de 2013

Geopolítica do petróleo: Brasil se afasta dos EUA


As edições eletrônicas do Wall Street Journal e Financial Times dedicam uma cobertura agitada, recolhendo repercussões minuto a minuto sobre o leilão do campo petrolífero de Libra, que ocupa 1.500 km2, está dotado de cerca de 12 bilhões de barris alojados em águas ultra profundas situadas a 183 quilômetros do estado do Rio de Janeiro e será capaz de produzir, dentro de alguns anos, 1,4 milhões de barris por dia, volume equivalente a 70% de todo o petróleo gerado hoje no país.

A Petrobras e 3 petroleiras chinesas (não se descarta a formação de um consórcio sino-brasileiro na última hora), estão entre as onze companhias que participam na licitação por Libra na qual estarão ausentes as “grandes irmãs” norte-americanas devido ao estresse diplomático surgido entre Brasília e Washington depois da descoberta da espionagem praticada pela Agência de Segurança Nacional (NSA) contra a presidenta Dilma Rousseff, entre outros alvos sensíveis.

Por trás das notícias em tempo real nesta segunda-feira, com índices da bolsa e brokers com suas opiniões de curto prazo, subjaz uma história transcorrida nos últimos anos, cuja lembrança permitirá compreender o que está em jogo: uma reacomodação de forças na geopolítica do petróleo.

Celso Amorim era chanceler em julho de 2008, quando recebeu uma chamada de sua colega norte-americana Condoleezza, sugerindo-lhe receber sem alarme a reativação da IV Frota sob jurisdição do Comando Sul, anunciada poucos meses depois do descobrimento, em 2007, de grandiosas reservas de hidrocarbonetos nas bacias de Campos e Santos, localizadas no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo.
Nem o chanceler Amorim e nem seu chefe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levaram a sério a retórica tranquilizadora da funcionaria de George W. Bush. Muito pelo o contrário, houve alarme no Palácio do Planalto.

Lula, Amorim e a então ministra Dilma Rousseff, que começava a perfilar-se como candidata presidencial, compreenderam que a passagem da US Army pelas costas cariocas, seria uma ostentação de poderio militar sobre os 50 bilhões de barris de cru de boa qualidade, alojados a mais de 5.000 metros de profundidade, em uma zona geológica conhecida como “pré-sal”.

Além dos questionamentos em foros internacionais, especialmente latino-americanos, foi pouco o que o Palácio do Planalto pode fazer de imediato contra a supremacia militar dos Estados Unidos e sua decisão de que a IV Frota, braço armado das petroleiras de bandeira norte-americana Exxon e Chevron no Hemisfério, ponha proa para o sul.

Lula e sua conselheira sobre energia Dilma, se viram diante de um dilema: ou adotar uma saída à mexicana, como a do atual presidente Enrique Peña Nieto, que mostrou sua disposição em privatizar Pemex, ainda que o termo empregado seja “modernização”, ou injetar dinheiro e mística nacionalista para robustecer a Petrobras como vector de uma estratégia destinada a proteger a soberania energética.

Finalmente o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) optou pela segunda via, instrumentalizada em uma bateria de medidas de amplo espectro.

Capitalizou a Petrobras para reverter o esvaziamento herdado da gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e conseguiu aprovar, no final de 2010, uma lei petrolífera ” estatizante e intervencionista”, de acordo com a interpretação dada por políticos de extração neoliberal e o lobby britânico-estadunidense, parecer amplificado pelas empresas de notícias locais.

Ressuscitou o projeto de construir um submarino atômico com a França, junto a quem firmou, em 2009, um acordo militar (que avançou menos do que foi prometido); demandou diante de organismos internacionais a extensão da plataforma marinha, com o propósito de que ninguém dispute a titularidade das bacias petrolíferas, e promoveu o Conselho de Defesa da Unasul, com o apoio da Argentina e da Venezuela e a indiferença da Colômbia.

Como braço auxiliar dessa linha de ação governamental o PT operou, através de sua perseverante aproximação com o Partido Comunista Chinês, antessala para estabelecer laços de confiança política com a nomenclatura do Estado asiático, cujo Banco de Desenvolvimento finalmente assinaria, em 2010, uma série de pré-acordos para a concessão de empréstimos por dezenas de milhares de milhões de dólares para a Petrobras.

Paralelamente aos movimentos brasileiros em defesa de seu interesse nacional e para ocupar um lugar entre as potências petrolíferas, a agência de segurança estadunidense NSA roubava informações estratégicas do Ministério de Minas e Energia e os diplomatas destacados em Brasília enviavam telegramas secretos a Washington tipificando o chanceler Amorim como um diplomata “anti-norte-americano”.

Há três meses atrás, quando Dilma Rousseff tomou conhecimento das primeiras notícias sobre as manobras da NSA, uma fonte do Planalto disse a Página 12 que a Presidenta evitaria “radicalizar” a situação, pois confiava em uma conciliação com os Estados Unidos, onde planejava viajar para uma visita oficial no dia 23 de outubro.

Mas a posição de Dilma se fez irredutível em setembro, ao saber que os espiões haviam violado até as comunicações da Petrobras.

A decisão de suspender a visita de Estado a Washington, embora Barack Obama tenha renovado seu convite pessoalmente, não deve ser confundida como algo gestual, porque suas consequências afetaram decisões vitais.

Que não haja nenhuma petroleira norte-americana no leilão pela reserva de Libra e sim três poderosas empresas chinesas, das quais duas são estatais, indica que a colisão diplomática teve uma repercussão prática.

Que fontes próximas ao governo tenham deixado transcender a possível formação de um consórcio entre a Petrobras e alguma empresa chinesa, revela que a geopolítica petrolífera de Brasília se inclina à Pequim, que também é seu primeiro sócio comercial.

E, se o anterior não bastasse para descrever o distanciamento estratégico entre o Planalto e a Casa Branca, na semana passada o indigesto (para Washington) ministro Celso Amorim, agora a cargo da Defesa, iniciou conversações com a Rússia para analisar a compra de caças bombardeiros Sukoi. Foi apenas uma sondagem, mas se esta compra se formaliza será um revés considerável para a corporação industrial-militar norte-americana, que imaginava vender seus caças Super Hornet ao Brasil, durante a visita que Dilma não fará.

Carta Maior

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