A “Copa das Mobilizações” começou com a luta contra os R$ 0,20
(vinte centavos) de aumento das tarifas de transporte e os altos custos
da Copa do futebol “ópio do povo”, mas pode terminar com a população
pagando R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões) por um plebiscito pouco
efetivo e intempestivo.
De fato, houve conquistas como a redução das tarifas de transporte, o
fim da PEC 37, a destinação dos royalties do petróleo para educação e
saúde (mas as estimativas são que os royalties gerarão, no máximo, 0,15%
do PIB para a educação e saúde), a lei que torna a corrupção crime
hediondo (será que o adjetivo vai resolver?), o provável fim do projeto
da “cura gay”, o cancelamento da verba de R$ 43 milhões para a Copa, a
prisão do deputado Natan Donadon, etc.
Todavia, o Brasil continua na lanterninha da educação de qualidade. O
SUS é um desastre, sendo universal somente na péssima qualidade dos
serviços prestados. A extrema pobreza foi reduzida, mas as novas classes
médias têm sido incluídas, fundamentalmente, no mercado de consumo e
não na sociedade cidadã, com qualidade de vida e com fortalecimento do
capital social. Os carros continuam engarrafando as ruas, enquanto o
transporte público definha. O país continua explorando combustíveis
fósseis e fazendo hidrelétricas na Amazônia, ao invés de dar prioridade
absoluta às energias renováveis e limpas (com liberdade para as águas). O
desmatamento e a destruição dos ecossistemas continuam no mesmo rítmo
implacável.
As mortes por acidentes de trânsito e homicídios continuam matando os
jovens brasileiros. Diversas prefeituras municipais estão insolventes.
Os indicadores macroeconômicos estão seguindo rumo insustentável, etc.
Ou seja, os problemas econômicos, sociais e ambientais do Brasil (à
despeito dos avanços) não foram resolvidos e nem adequadamente agendados
nas definições das políticas públicas. Mas o governo federal se
mobiliza para fazer um plebiscito (lei da plebe) sobre a Reforma
Política. Os líderes do Congresso dizem que vão tocar esta consulta, mas
já há sinais de ações para inviabilizar a proposta ou então
desfigurá-la.
A recente pesquisa Datafolha mostrou que é alto o apoio inicial da
opinião pública à realização do plebiscito em 2013. Mas ninguém sabe se
este apoio vai se manter quando todas as limitações deste tipo de
consulta vier à tona.
O Brasil já teve, em 1993, um Plebiscito para determinar a forma e o
sistema de governo do país. Evidentemente, plebiscito é uma consulta e
não uma revolução. Talvez, o mais apropriado seria o Executivo e o
Legislativo, nos três níveis (Federal, Estadual e Municipal)
aproveitarem o momento propício para dar um passo à frente na mudança do
modelo de desenvolvimento brasileiro e na forma de funcionamento de
suas instituições democráticas. Os verdadeiros líderes aparecem,
exatamente, nos momentos de crise e a impressão que as revoltas
populares deixaram é que o povo quer mais do que opinar sobre meia dúzia
de questões sobre o sistema político.
Sem dúvida, o Brasil precisa romper com os limites da atual
democracia representativa e os efeitos nefastos da “partidocracia”. Um
dos pontos fundamentais seria diminuir o poder das estruturas
partidárias fossilizadas. Os partidos brasileiros não são
representativos do conjunto da população em termos de classe, gênero,
“raça”, orientação sexual, etc. Por exemplo, é muito baixa a proporção
da população pobre, feminina e negra (preta + parda) entre os deputados
eleitos para a Câmara Federal. Também é muito baixa a participação dos
filiados nas decisões das cúpulas partidárias e nos rumos dos partidos e
no controle das candidaturas.
Uma verdadeira reforma política deveria buscar democratizar os
partidos, diminuindo o poder das cúpulas oligárquicas. A escolha de
candidatos, por exemplo, deveria ser feita por prévias ou mecanismos de
consulta ampla entre os filiados. Deveria também haver mecanismos para
restringir as legendas de aluguel que servem apenas para enriquecer os
seus líderes e são uma afronta à democracia. Limites às reeleições nos
cargos proporcionais e de representação também seriam essenciais.
Política não pode ser profissão, mas sim colaboração.
Deveria haver mecanismos de democracia direta para além dos partidos
instituídos. Seria preciso criar formas de candidaturas autônomas das
lideranças dos movimentos sociais e de pessoas avulsas (independentes
das máquinas partidárias). Tudo isto com limites de gastos de campanha
(públicos ou privados) e controle rígido do TSE. Seria preciso também
fortalecer os projetos de iniciativa popular e as consultas frequentes à
população. Nos tempos da Internet e das redes sociais, o Congresso
deveria ouvir com mais frequência as milhões de vozes que anseiam por
serem escutadas, não somente na web.
Além disso, existe a proposta de se colocar fim ao Senado e
estabelecer um parlamento unicameral. Também há a proposta de,
mantendo-se o sistema bicameral, corrigirem as distorções de
representação na Câmara, pois no atual pacto federativo com pisos e
tetos para as bancadas dos Estados, o voto de um eleitor de Roraima vale
por 12 votos paulistas, distorcendo o princípio de um eleitor, um voto.
A Reforma Política está no Congresso há anos e agora querem aprovar
uma proposta a toque de caixa, em menos de 3 meses. Uma verdadeira
reforma política é coisa muito complexa para ser votada em termos de sim
ou não. Outro senão é que o povo não se sente representado pelos atuais
partidos que pretendem fazer a reforma. Neste sentido, o referendo
também não resolve a atual crise de representação. O povo mobilizado não
está para brincadeira e exige soluções concretas. Um terceiro problema é
que o custo da consulta do desarmamento de 2005 foi calculado em R$ 250
milhões e o atual plebiscito pode custar o dobro do preço.
Mas o verdadeiro custo pode aparecer quando a população que ocupou as
ruas perceber ou sentir, em um futuro próximo, que as dificuldades
continuam as de sempre, a possível reforma política não alcançou os
objetivos da efetiva participação cidadã e os reais problemas do Brasil
foram apenas, uma vez mais, empurrados com a barriga.
EcoDebate
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