sexta-feira, 5 de julho de 2013

Reforma Política. Distração política ou aprofundamento da democracia direta? artigo de José Eustáquio Diniz Alves


A “Copa das Mobilizações” começou com a luta contra os R$ 0,20 (vinte centavos) de aumento das tarifas de transporte e os altos custos da Copa do futebol “ópio do povo”, mas pode terminar com a população pagando R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões) por um plebiscito pouco efetivo e intempestivo.

De fato, houve conquistas como a redução das tarifas de transporte, o fim da PEC 37, a destinação dos royalties do petróleo para educação e saúde (mas as estimativas são que os royalties gerarão, no máximo, 0,15% do PIB para a educação e saúde), a lei que torna a corrupção crime hediondo (será que o adjetivo vai resolver?), o provável fim do projeto da “cura gay”, o cancelamento da verba de R$ 43 milhões para a Copa, a prisão do deputado Natan Donadon, etc.

Todavia, o Brasil continua na lanterninha da educação de qualidade. O SUS é um desastre, sendo universal somente na péssima qualidade dos serviços prestados. A extrema pobreza foi reduzida, mas as novas classes médias têm sido incluídas, fundamentalmente, no mercado de consumo e não na sociedade cidadã, com qualidade de vida e com fortalecimento do capital social. Os carros continuam engarrafando as ruas, enquanto o transporte público definha. O país continua explorando combustíveis fósseis e fazendo hidrelétricas na Amazônia, ao invés de dar prioridade absoluta às energias renováveis e limpas (com liberdade para as águas). O desmatamento e a destruição dos ecossistemas continuam no mesmo rítmo implacável.

As mortes por acidentes de trânsito e homicídios continuam matando os jovens brasileiros. Diversas prefeituras municipais estão insolventes. Os indicadores macroeconômicos estão seguindo rumo insustentável, etc.

Ou seja, os problemas econômicos, sociais e ambientais do Brasil (à despeito dos avanços) não foram resolvidos e nem adequadamente agendados nas definições das políticas públicas. Mas o governo federal se mobiliza para fazer um plebiscito (lei da plebe) sobre a Reforma Política. Os líderes do Congresso dizem que vão tocar esta consulta, mas já há sinais de ações para inviabilizar a proposta ou então desfigurá-la.

A recente pesquisa Datafolha mostrou que é alto o apoio inicial da opinião pública à realização do plebiscito em 2013. Mas ninguém sabe se este apoio vai se manter quando todas as limitações deste tipo de consulta vier à tona.

O Brasil já teve, em 1993, um Plebiscito para determinar a forma e o sistema de governo do país. Evidentemente, plebiscito é uma consulta e não uma revolução. Talvez, o mais apropriado seria o Executivo e o Legislativo, nos três níveis (Federal, Estadual e Municipal) aproveitarem o momento propício para dar um passo à frente na mudança do modelo de desenvolvimento brasileiro e na forma de funcionamento de suas instituições democráticas. Os verdadeiros líderes aparecem, exatamente, nos momentos de crise e a impressão que as revoltas populares deixaram é que o povo quer mais do que opinar sobre meia dúzia de questões sobre o sistema político.

Sem dúvida, o Brasil precisa romper com os limites da atual democracia representativa e os efeitos nefastos da “partidocracia”. Um dos pontos fundamentais seria diminuir o poder das estruturas partidárias fossilizadas. Os partidos brasileiros não são representativos do conjunto da população em termos de classe, gênero, “raça”, orientação sexual, etc. Por exemplo, é muito baixa a proporção da população pobre, feminina e negra (preta + parda) entre os deputados eleitos para a Câmara Federal. Também é muito baixa a participação dos filiados nas decisões das cúpulas partidárias e nos rumos dos partidos e no controle das candidaturas.

Uma verdadeira reforma política deveria buscar democratizar os partidos, diminuindo o poder das cúpulas oligárquicas. A escolha de candidatos, por exemplo, deveria ser feita por prévias ou mecanismos de consulta ampla entre os filiados. Deveria também haver mecanismos para restringir as legendas de aluguel que servem apenas para enriquecer os seus líderes e são uma afronta à democracia. Limites às reeleições nos cargos proporcionais e de representação também seriam essenciais. Política não pode ser profissão, mas sim colaboração.

Deveria haver mecanismos de democracia direta para além dos partidos instituídos. Seria preciso criar formas de candidaturas autônomas das lideranças dos movimentos sociais e de pessoas avulsas (independentes das máquinas partidárias). Tudo isto com limites de gastos de campanha (públicos ou privados) e controle rígido do TSE. Seria preciso também fortalecer os projetos de iniciativa popular e as consultas frequentes à população. Nos tempos da Internet e das redes sociais, o Congresso deveria ouvir com mais frequência as milhões de vozes que anseiam por serem escutadas, não somente na web.

Além disso, existe a proposta de se colocar fim ao Senado e estabelecer um parlamento unicameral. Também há a proposta de, mantendo-se o sistema bicameral, corrigirem as distorções de representação na Câmara, pois no atual pacto federativo com pisos e tetos para as bancadas dos Estados, o voto de um eleitor de Roraima vale por 12 votos paulistas, distorcendo o princípio de um eleitor, um voto.

A Reforma Política está no Congresso há anos e agora querem aprovar uma proposta a toque de caixa, em menos de 3 meses. Uma verdadeira reforma política é coisa muito complexa para ser votada em termos de sim ou não. Outro senão é que o povo não se sente representado pelos atuais partidos que pretendem fazer a reforma. Neste sentido, o referendo também não resolve a atual crise de representação. O povo mobilizado não está para brincadeira e exige soluções concretas. Um terceiro problema é que o custo da consulta do desarmamento de 2005 foi calculado em R$ 250 milhões e o atual plebiscito pode custar o dobro do preço.

Mas o verdadeiro custo pode aparecer quando a população que ocupou as ruas perceber ou sentir, em um futuro próximo, que as dificuldades continuam as de sempre, a possível reforma política não alcançou os objetivos da efetiva participação cidadã e os reais problemas do Brasil foram apenas, uma vez mais, empurrados com a barriga.

EcoDebate

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