Uma
espécie de morcego encontrada no Brasil, até então conhecida por
consumir exclusivamente sangue de aves, está se alimentando agora de
sangue humano.
A revelação está em uma pesquisa conduzida por cientistas brasileiros e
publicada em novembro na revista científica "Acta Chiropterologica", a
mais importante publicação do mundo voltada à pesquisa de morcegos.
O estudo analisou 70 amostras de fezes da espécie Diphylla ecaudata,
popularmente conhecida como morcego-vampiro-de-pernas-peludas.
Os cientistas conseguiram extrair o DNA de 15 delas - e em três
descobriram vestígios de sangue humano, explica Enrico Bernard,
professor do Departamento de Zoologia da UFPE (Universidade Federal de
Pernambuco) e responsável pela pesquisa.
O estudo foi conduzido no Parque Nacional do Catimbau, na região de caatinga de Pernambuco, a cerca de 300 km do Recife.
"Das três espécies de morcegos-vampiros que conhecemos, sabíamos que
apenas uma delas se alimentava de sangue humano", conta Bernard, em
entrevista à BBC Brasil.
"Mas nosso estudo mostrou agora que outra espécie, o
morcego-vampiro-de-pernas-peludas, que só se alimentava do sangue de
aves, também passou a consumir sangue humano", acrescenta o
especialista.
Bernard explica que, diferentemente do sangue de aves, rico em gordura, o dos mamíferos é mais espesso e rico em proteína.
"Sabíamos que essa espécie (morcego-vampiro-de-pernas-peludas) tinha
uma adaptação fisiológica para digerir apenas o sangue de aves. Mas isso
parece estar mudando, já que ela passou a se alimentar de sangue
humano", afirma.
Causas
Na avaliação de Bernard, considerando que o
morcego-vampiro-de-pernas-peludas tem fisiologicamente menos tolerância
ao sangue de mamíferos, os novos hábitos alimentares da espécie
"reforçam um cenário de escassez de presas".
"Sendo assim, ou o comportamento alimentar desse bicho é muito mais
variável do que imaginávamos até hoje, ou há uma restrição significativa
de suas presas nativas", diz o especialista. Bernard afirma que os resultados do estudo parecem validar a segunda hipótese.
"Essa porção da caatinga vem sendo bastante alterada pela presença
humana. As presas nativas desse tipo de morcego - aves maiores, em sua
maioria - estão desaparecendo e seu habitat sendo ocupado por seres
humanos e seus animais domésticos", afirma.
"Nosso estudo mostrou, por exemplo, a presença de sangue de galinha em algumas das amostras que coletamos."
Impacto
Além da defaunação (diminuição acelerada e drástica de espécies
animais), a mudança dos hábitos alimentares do
morcego-vampiro-de-pernas-peludas também pode evidenciar um impacto na
saúde pública humana.
"Morcegos transmitem uma série de doenças. Se essa espécie está agora
se alimentando de sangue humano, precisaremos lidar com um problema de
saúde pública potencial", destaca.
Relatos de morcegos atacando pessoas, especialmente como resultado de
transformações ecológicas provocadas pela presença humana, não são
inéditos no Brasil.
Em 2005, o Maranhão registrou o maior surto de raiva humana transmitida por morcegos da história do país.
Na ocasião, mais de 20 pessoas morreram vítimas da doença, transmitida por morcegos hematófagos (que se alimentam de sangue).
Causada por vírus, a raiva humana tem sintomas como febre, fotofobia e dificuldades para se alimentar.
G1 Natureza
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