Quando era professor, Olivio Jekupe precisava provar para os alunos
que tinha conhecimento da disciplina para que os estudantes passassem a
respeitá-lo. “Quando eles duvidavam, eu começava a falar difícil e eles
não entendiam nada”, relembra sobre a época em que precisou lecionar
para se sustentar como estudante de filosofia. Hoje, é Olivio que se
preocupa com a preparação dos professores. Na semana em que lança o seu
12º livro de literatura, o índio guarani defende a difusão das obras
escritas por indígenas como forma de embasar o estudo da história e da
cultura desses povos nas escolas.
“Os professores vão ter que falar sobre nós. O que eles vão falar? Se
não têm assunto, eles vão falar um monte de besteiras sobre a gente.
Então, por isso, que é importante o surgimento dos escritores
indígenas”, diz Olivio a respeito do cumprimento da Lei 11.645 de 2008,
que determina a inclusão das culturas negra e indígena no ensino médio e
fundamental.
Nascido em 1965, em Nova Itacolomy, interior do Paraná, Olivio começou a
estudar filosofia em 1988, na Pontifícia Universidade Católica de
Curitiba. Morava de favor com uma família da etnia Kaingang e vendia
artesanato para se sustentar. Encorajado pelos amigos, começou a dar
aulas para o ensino fundamental. Com dificuldades financeiras, veio para
a capital paulista, para estudar gratuitamente na Universidade de São
Paulo (USP). Apesar de ter investido mais quatro anos na filosofia, não
conseguiu concluir o curso. “Vim para a USP porque era de graça, mas
piorou, ficou mais caro, porque na USP o curso de filosofia é muito
pesado. Na USP você tem que ler muito e gasta em tudo”, lamenta.
Olivio permaneceu na cidade e se consolidou como escritor. Atualmente,
não só escreve, como incentiva outros índios nos rumos da literatura.
Assim, ele acredita que vai conseguir derrubar as mentiras que foram
ditas contra os povos da terra ao longo dos últimos séculos. Inverdades
concretas nos monumentos que adornam a cidade de São Paulo “É um
absurdo. Você passa em Santo Amaro e vê o [bandeirante] Borba Gato.
Depois tem o [bandeirante] Anhanguera. A história mostra que eles eram
grande heróis porque matavam índios” reclama. “É por isso que a
literatura [feita pelo] índio aos poucos vai chegando e os escritores
indígenas vão começar a desmascarar essa coisa”.
Morador da aldeia guarani Krukutu, em Parelheiros, extremo sul da
capital paulista, Olivio conta que ao montar a sua última coletânea, As Qeixadas e Outros Contos Guarani,
incluiu entre os escritores até mesmo a própria mulher, que é
analfabeta. Segundo ele, uma forma de adaptar os contadores de história
guarani aos novos tempos. “Havia os índios com o dom de guardar as
histórias na cabeça, não é todo mundo que tem esse dom”.
Para ele, a incorporação dos saberes e das tecnologias dos brancos é
uma maneira de defender a cultura dos povos tradicionais. “Quando não
tinha nada disso, eles falavam que o índio é atrasado. Quando a gente
começa a pegar tudo isso, eles falam que o índio é aculturado, que está
perdendo a cultura. Não, não está perdendo. Essas coisas que a gente usa
hoje são uma forma de defesa”, disse na entrevista à Agência Brasil, que foi marcada pelo Facebook.
Segundo o escritor, as bases da cultura indígena são a língua e a
religião. Se isso for mantido, todo o resto pode ser usado para
fortalecer a comunidade. Ele compara o uso das tecnologias pelos índios à
maneira como os brancos se apropriaram dos saberes tradicionais dos
índios, como a farinha de mandioca, a pamonha e o hábito de dormir em
redes. “A tecnologia que os brancos inventaram a gente tem que usar para
o bem. Assim como os brancos pegaram muita coisa dos índios e não fez
mal”, enfatiza. “Temos computador, tem gente com celular, tem gente com
Facebook, com e-mail. Hoje, a gente usa tudo isso, às vezes melhor do
que os brancos”.
Olivio explica que, além da literatura indígena, a aldeia tem outras
ações para difundir a cultura guarani. “A gente tem um coral. A escola
que quiser é só entrar em contato com a gente, que nós vamos até a
escola, damos uma palestra e fazemos uma apresentação do coral para as
pessoas entenderem como é a música guarani”, ressalta, sobre o trabalho
que é gerido pela associação da comunidade.
A organização jurídica formal foi a maneira encontrada pelos moradores
da Krukutu de fortalecer a liderança tradicional do cacique e também
garantir autonomia da aldeia, poder tratar dos próprios negócios sem
intermediação da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Agência Brasil
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