Diante da inflação no preço dos alimentos, que atinge uma variação de
10% desde 2008, o governo brasileiro busca medidas em relação ao
abastecimento para tentar conter o aumento.
O governo, por meio do Conselho Interministerial de Estoques Públicos
de Alimentos (Ciep), analisa a retomada de mecanismos de regulação por
meio do estoque.
Uma medida estudada é a venda direta de alimentos pelo governo em
caso de elevação de preços de determinados alimentos ou a criação de uma
faixa de preços.
Assim, o governo poderia intervir caso o preço dos alimentos esteja
fora do preço determinado, por meio da ação da Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), que compraria ou venderia esses alimentos, com
ênfase especial nos que compõem a cesta básica.
Analistas avaliam que cresce os preços dos alimentos porque o governo
brasileiro não vê na agricultura um elemento estratégico para garantir a
soberania alimentar de sua população, deixando os rumos políticos e
econômicos da agricultura nas mãos do agronegócio.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária,
Gerson Teixeira, “os produtos do agronegócio subtraem áreas dos
alimentos básicos da população. Nos últimos 10 anos, as áreas de cana e
de soja aumentaram em 100%, e houve redução nas área de mandioca, arroz,
feijão, trigo. Em 2012, importamos US$ 334 milhões de dólares em arroz,
que é 50% do valor aplicado no custeio da lavoura em nível nacional, e
US$ 1,7 bilhões em trigo, o dobro do custeio da lavoura da agricultura
no Brasil”.
A vulnerabilidade criada pela dependência das importações de
alimentos básicos, aliada à falta de incentivos para a produção interna
pela agricultura familiar e pela deficiência dos estoques, agrava o
processo inflacionário dos alimentos.
Segundo Débora Nunes, da Coordenação Nacional do MST, as medidas do
governo só serão efetivas caso leve em conta a agricultura familiar. “Se
houver garantia de oferta de alimentos vindos da pequena agricultura,
com uma produção diversificada, conjugada com outras medidas que
impulsionem a organização e intensificação da produção nos assentamentos
e comunidades rurais, resolveríamos grande parte do problema. Mas se as
medidas estiverem desagregadas das demais necessidades e políticas,
dificilmente terão resultados a curto e médio prazos”, avalia.
Estoques
Os estoques de alimentos, apesar de sua importância tanto em momentos
de crise de alimentos, como as secas, quanto para servirem como
elemento de regulação do mercado, são praticamente inexistentes no
Brasil.
Segundo Valter Israel da Silva, da Direção Nacional do Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), “a política de estoques para controlar os
preços para o consumidor primeiramente existia, mas no período do avanço
do neoliberalismo foi desmontada. O governo Lula retomou algumas delas,
mas os estoques são ínfimos em relação à necessidade. Além disso, há o
controle dos estoques de alimentos pelo capital. As empresas
particulares compram os alimentos a preços baixos no período de safra
dos agricultores, estocam e vendem a preços abusivos na entressafra”.
O controle pelo agronegócio dos estoques afeta diretamente o
funcionamento da Conab, já que a formação dos estoques reguladores, que
têm como função manter a estabilidade interna dos preços, e dos estoques
estratégicos, que garantem o abastecimento alimentar nas situações de
insuficiência da oferta interna de alimentos, partem não de um
planejamento governamental, mas sim da demanda dos produtores.
“A Conab também é objeto da pressão dos setores do agronegócio. Os
estoques são formados em função dos produtores com problemas
circunstanciais de renda. Em contrapartida, a Conab faz compras da
agricultura familiar. Ela é importante como alternativa de mercado
institucional para uma fração dos agricultores familiares, mas ela não
tem um alcance para garantir uma política de estoque regulador e
estratégico”, afirma Gerson Teixeira.
Programas do governo
Um dos fatores que pode diminuir a inflação dos alimentos e dar mais
condições para os agricultores familiares produzirem é o fortalecimento
dos programas do governo que garante a comercialização dos pequenos
agricultores, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
“O PAA e o PNAE são importantes do ponto de vista dos produtores e de
boa parte da população, principalmente quem está em insegurança
alimentar e é beneficiado. No entanto, não são ainda uma política muito
abrangentes”, afirma Valter Israel.
A avaliação é que o PNAE deveria passar por uma ampliação de
orçamento e reestruturação em seus procedimentos para garantir sua
efetividade. “O PNAE depende de interesses de uma comissão local do
município, que pode dizer que a oferta não pode ser atendida pela
agricultura familiar. O programa fica refém de avaliações tendenciosas.
Há projetos de lei para garantir consistência política no PNAE, mas a
escala ainda é pequena demais para que esses programas tenham um impacto
efetivo nas políticas de abastecimento”, afirma Gerson Teixeira.
Em relação ao PAA, o governo lançou novo edital,
que prevê apoio à produção agrícola, beneficiando cooperativas e
associações de agricultores familiares, com itens vinculados às
atividades produtiva e comercial, como máquinas agrícolas, veículos
automotivos e equipamentos de informática.
“O PAA precisa aumentar o limite no valor que pode ser acessado por
cada família ao ano ou o teto das cooperativas. Essa operação permite
que as famílias ou cooperativas tenham disponível um recurso que serve
como capital de giro a ser investido na produção ou na
agroindustrialização. E isso só é possível se o governo entender que
politicas como esta ajudam no fortalecimento das famílias e investir
mais recursos”, propõe Débora.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) tem que sofrer alterações. O programa deveria tratar de forma
diferenciada aqueles que fazem um modelo alternativo de produção;
Atualmente, a sua estrutura induz os camponeses a adotar o modelo de
produção mercadológico, que faz uso das mesmas técnicas e ferramentas do
agronegócio, como a monocultura e os agrotóxicos.
Para incluir os produtores no meio rural e garantir acesso efetivo ao
crédito, o Pronaf precisa enfrentar o problema da burocracia e do
endividamento dos produtores muitas vezes impedem que estes sejam
beneficiados pelo Pronaf.
Alternativas
Para os movimentos sociais do campo, as saídas para uma política
efetiva de estoques e a diminuição da inflação dos preços dos alimentos
se dá com mais investimentos na agricultura familiar e na realização da
Reforma Agrária.
“Há várias medidas que devem ser tomadas, como a realização da
Reforma Agrária, a mudança no atual modelo de produção para um que
fortaleça a produção de alimentos saudáveis, com base na agroecologia,
garantindo a oferta de alimentos em abundancia em todo país”, ressalta
Débora.
“É uma vergonha um país como nosso importar feijão e arroz. Basta ter
incentivos e garantir o acesso à terra a quem quer trabalhar nela, que
com certeza nós seremos autossuficientes nesses produtos. Dentre esses
incentivos está acesso à terra, água e sementes, a criação de uma
política de crédito adequada, para incentivar o processo produtivo, com
assistência técnica em torno da produção”, afirma Valter Israel.
Para Gerson Teixeira, a Reforma Agrária e os investimentos na
agricultura familiar são cada vez mais estratégicos. “Proponho um
programa de autossuficiência alimentar, e quando digo autossuficiência
não é só a busca do nivelamento entre produção e consumo, mas é a
produção mesmo em escala, pois os cenários futuros são sombrios. Um país
como o Brasil, tem condição de não apenas ter uma política de soberania
alimentar para sua população, mas também de ser solidário com os países
que tem dificuldade para isso. É inaceitável que o país não veja essa
questão como estratégica”.
Os movimentos sociais cobram também medidas do governo para
desenvolver os assentamentos e pequenas propriedades, modernizar a
produção e garantir logística para a comercialização.
“Temos que garantir infraestrutura social para a permanência de povo
no campo, com educação, água, energia elétrica, sistemas de irrigação,
tecnologia adequadas às necessidades da pequena agricultura, como as
agroindústrias e as cooperativas”, ressalta Débora.
“A questão logística, que envolve secagem, armazenagem, distribuição,
políticas de estoques e de preços mínimos, tem que ser melhorada para
que o alimento chegue à população que necessita a preços acessíveis e
que o agricultor possa vender a preços justos”, afirma Valter Israel.
MST
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