Brasil pode ser o terceiro a aprovar plantio de sementes resistentes ao
agrotóxico 2,4-D. Especialistas alertam que o possível aval da CTNBio à
soja e ao milho aumente o uso do herbicida altamente tóxico.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) julga nesta
quinta-feira (19/09) o pedido de aprovação de quatro modalidades de
sementes transgênicas resistentes ao agrotóxico 2,4-D. São dois tipos de
soja e dois tipos de milho.
O Brasil seria o terceiro a aprovar o plantio dessas variedades. Até o
momento, o Canadá é o único que cultiva esse tipo de milho. Já essa
versão de soja transgênica é aprovada, além do Canadá, também no Japão –
mas a permissão no país asiático se restringe à plantação em campos
isolados.
O pedido de liberação foi feito pela americana Dow AgroSciences, que
também tem sede no Brasil e é uma das seis gigantes da indústria de
sementes e agrotóxicos do mundo.
Segundo Leonardo Melgarejo, representante do Ministério do
Desenvolvimento Agrário na CTNBio e avaliador de uma das sementes
solicitadas pela Dow, existem “riscos alarmantes” na aprovação das
sementes. “Nós estamos passando agora para a possibilidade de aplicação
via aérea de produtos de alta periculosidade”, afirma.
O 2,4-D é um dos componentes do chamado Agente Laranja, utilizado
pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. Ele é o terceiro
agrotóxico mais utilizado no Brasil (5%), depois do glifosato (29%) e do
óleo mineral (6%). De acordo com a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), que regulamenta e avalia a toxicidade de
agrotóxicos, o 2,4-D é classificado com o nível de toxicidade mais
elevado.
Efeito reverso
A aprovação das sementes resistente ao 2,4-D pode levar a um efeito
contrário: especialistas alertam que o uso do agrotóxico pode aumentar.
Em artigo publicado na revista científica Environmental Science Europe,
Chuck Benbrook, da Universidade do Estado de Washington, prevê um
aumento de 50% no uso do 2.4-D nos Estados Unidos caso as novas sementes
sejam aprovadas neste país.
O Centro de Segurança Alimentar dos Estados Unidos prevê que o uso do
herbicida isoxaflutole aumentará quatro vezes devido à aprovação nos
EUA de uma modalidade de milho resistente a este herbicida.
No Brasil, Victor Pelaez, diretor do Observatório da Indústria de
Agrotóxicos e professor na Universidade Federal do Paraná, lembra que,
quando a primeira soja transgênica foi aprovada, umas das possíveis
vantagens apresentadas seria a diminuição do uso do agrotóxico
glifosato. Oito anos depois, o glifosato continua sendo o agrotóxico
mais utilizado no Brasil. Pesquisas do Observatório apontam que, após a
utilização da soja transgênica no Rio Grande do Sul, ainda de maneira
ilegal, entre 2000 e 2004, o consumo do glifosato aumentou 162%.
Esse consumo levou ao desenvolvimento de pragas resistentes e, por
consequência, à necessidade de sementes tolerantes a herbicidas mais
tóxicos. “Do ponto de vista tecnológico, é um retrocesso. Seja porque se
tem que utilizar mais quantidade do glifosato que é menos tóxico, seja
porque tem que se usar também produtos mais tóxicos. Isso era a crônica
da morte anunciada. Todo mundo da área sabia disso”, analisa Pelaez.
Segundo a Dow, não há uma relação entre o uso elevado dos agrotóxicos
e o uso de transgênicos. “As taxas de uso de herbicidas está já
crescendo devido à resistência ao glifosato, e irá crescer ainda mais
sem a nova tecnologia para ajudar a lidar com essa situação”, afirma
Garry Hilman, porta-voz da empresa. Segundo ele, as novas sementes vão
permitir que as ervas daninhas não desenvolvam resistência a um tipo
específico de agrotóxico.
Aos ser questionado sobre a relutância de alguns países à aprovação
das sementes tolerantes ao 2,4-D, a empresa afirma que se deve aos
trâmites burocráticos dos países. “Nós estamos confiantes que os
legisladores nas principais nações produtoras irão reconhecer os
diversos benefícios desta nova tecnologia tanto para os produtores
agrícolas como para o meio ambiente.”
Para a Secretaria Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA), as novas sementes não resolverão o problema do que tem se chamado
de “falha tecnológica”. “Essas variedades, assim como as que as
antecederam, chamadas de ‘melhoradas’, termo que não utilizo pois apenas
foram selecionadas em laboratório, não melhoraram em nada a
agricultura, pois causou uma grande redução na base genética das
culturas alimentares”, afirma o MPA em declaração à DW Brasil.
Passado sombrio
Operação “Mão de Fazendeiro” despejou cerca de 45 milhões de litros de Agente Laranja no Vietnã
O 2,4-D ficou mundialmente conhecido por compor o Agente Laranja,
utilizado para desfolhar as florestas e expor vietnamitas ao ataque dos
Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. Milhões de pessoas morreram
devido à operação conhecida como “Mão de fazendeiro” e, 30 anos depois, a
substância química ainda é encontrado na terra e água do país, levando a
defeitos genéticos em várias gerações.
A Dow AgroSciences, junto com três outras empresas do ramo de
biotecnologia, montou a Força Tarefa 2,4-D, com o objetivo de divulgar
informações sobre o herbicida. Elas afirmam que a vinculação com o
Agente Laranja é um equívoco, pois os efeitos letais deste químico
seriam causados pela dioxina, um resíduo da mistura dos componentes
2,4-D e 2,4,5-T da fórmula do Agente Laranja.
No entanto, especialistas apontam que a toxicidade do 2,4-D independe
de sua vinculação com a dioxina. Em nome da Academia Americana de
Medicina e Meio Ambiente, Robin A. Bernhoft afirma que “o 2,4-D é
considerado a causa de todos os cânceres e defeitos genéticos nos filhos
de ex-combatentes americanos no Vietnã e de vietnamitas causados pelo
Agente Laranja”.
A questão reside também na qualidade do 2,4-D utilizado. Benbrook
aponta o risco de que maior parte do 2,4-D usado no Brasil seja
importado da China, com altos níveis de dioxina. “Eu concordo que o
2,4-D da Dow é muito mais limpo do que o dos 1970, mas quem pode
garantir que os agricultores brasileiros irão comprar o 2,4-D mais caro e
mais limpo?”, questiona.
Melgarejo aponta para o mesmo problema, devido à utilização da forma
de 2,4-D conhecida como éster butílico, considerada mais perigosa por
formar mini-gotículas que dispersam facilmente no meio ambiente.
“Nesse caso, o produto dança no ar, ele se desloca por grandes áreas e
pode afetar muitas outras culturas. É uma formulação mais barata,
porque mais perigosa”, esclarece. “As empresas afirmam que não vão
vender no Brasil. Mas nada impede que entre por contrabando”, alerta
Melgarejo.
Os riscos do 2,4-D-éster-butílico levaram a Autoridade Australiana
para Medicina Veterinária e Agrotóxicos (APVMA) a cancelar, em agosto, a
autorização do uso dessa modalidade de herbicida na Austrália alegando
“riscos ambientais inaceitáveis”.
Aprovação
Aproximadamente 90% da soja plantada no Brasil é transgênica, segundo CIB
O Brasil já aprovou 56 organismos geneticamente modificados. Das 31
plantas, contando com sementes e algodão, 25 possuem alteração para
resistir a agrotóxicos e doze são tolerantes a mais de um herbicida ou
inseticida. A tolerância, em grande maioria, é aos agrotóxicos glifosato
e glufosinato de amônico, ambos de baixa toxicidade.
As duas modalidades de milho e de soja foram apresentadas pela
empresa Dow no ano de 2012 e 2013 para liberação comercial. Quando
concedida, a liberação permite a venda das sementes transgênicas para
plantação, seu consumo direto em alimentos e derivados, assim como
utilização em rações animais.
Caso as sementes resistentes ao 2,4-D sejam aprovadas pela CTNBio, o
processo é encaminhado ao Conselho Nacional de Segurança, que pode
deferir ou indeferir a decisão da Comissão.
Eco Debate
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