O
plantio de milho e feijão, na dependência de chuvas, no Nordeste
Semiárido, é uma atividade que não faz parte das nossas propostas de
convivência com o clima da região. O clima semiárido é muito irregular,
no tocante à caída das precipitações, portanto, inadequado ao cultivo de
tais culturas, quando plantadas em regime de sequeio (na dependência
única e exclusiva das chuvas). Não assinaria embaixo uma proposta como
essa, que viesse a pôr em risco o sustento e a vida do cidadão que
reside no Polígono das Secas.
Em
recente entrevista na mídia, Manelito Dantas Vilar, proprietário da
fazenda Carnaúba, localizada no município de Taperoá (PB), no Semiárido
paraibano, fez comentários
sobre a loteria existente na caída das chuvas no Cariri do Estado,
fazendo referência à semelhança existente com as precipitações de Paris,
na França. Segundo ele, em Paris, as precipitações alcançam um volume
médio anual de cerca de 600 mm, equivalente ao que é precipitado na
região de Taperoá, em igual período. Apenas salientou uma diferença
fundamental: as chuvas de Paris ocorrem em 183 dias, de forma bem
distribuída no tempo e no espaço. Já as do Cariri paraibano ocorrem em
cerca de 42 dias, no máximo, portanto concentradas irregularmente em
curto período de tempo. Essa característica é imperiosa de ser
observada, pois é, com ela, que advêm todas as impropriedades de se
plantar, na região, as culturas de subsistência, que necessitam de
umidade suficiente, e em momentos bem específicos do desenvolvimento da
planta, para a satisfação de seu ciclo biológico de: germinar, se
desenvolver, florir e frutificar.
Faltando a umidade necessária, em um
dos segmentos do ciclo, haverá certamente a quebra da safra das
culturas, com as consequências nefastas à vida do produtor rural, tão
bem conhecidas por todos nós nordestinos.
Uma
planta de milho ou de feijão leva, em média, cerca de 90 dias para ser
colhida. Na região semiárida, a semeadura dessas culturas costuma
ocorrer no dia de São José (19 de março), para ser colhida no dia de São
João (24 de junho). É a esperança do sertanejo de vir a ter milho verde
no período junino, para a confecção das variadas iguarias de milho, tão
apreciadas na região. É por essa razão que as chuvas ocorridas no dia
de São José, enchem de esperanças o sertanejo, na crença de um ano com
chuvas regulares e, portanto, de boas colheitas.
Como
produzir grãos numa região com problemas climáticos tão sérios, se
podemos produzir, e com competência, a proteína animal em termos de
carne e leite e, a partir desses produtos, adquirir os grãos necessários
à alimentação, produzidos em outras localidades do país, com condições
mais propícias para assim fazê-lo? É uma questão de se adequar uma
política agrícola, que efetivamente não temos, a uma realidade regional.
A
Embrapa vem trabalhando a genética das plantas de milho e feijão, no
sentido de torná-las precoces. Esse trabalho tem chegado a resultados
interessantíssimos. Recentemente, a instituição desenvolveu nova variedade
de feijão Caupi, com ciclo vegetativo inferior a 60 dias. Com esses
resultados, a sua intenção é o de aumentar as chances nos plantios dos
cultivares, quando realizados em regime de sequeiro, ou seja, a expensas
das chuvas que, normalmente, ocorrem na região.
Respeitando
as intenções da Embrapa nesse trabalho, mas a nossa opinião é a de que,
mesmo com a utilização de cultivares precoces, os resultados nele
obtidos não irão alcançar o sucesso desejado pelos pesquisadores, pelo
simples fato de não haver ainda, na ciência, mecanismos de se fazer
chover no momento adequado e nas quantidades volumétricas suficientes
para a satisfação dos cultivos. Ora, no caso do Cariri paraibano, as
chuvas são concentradas em 42 dias do ano. Nesse diminuto intervalo de
tempo, torna-se impossível se prever a caída das chuvas, em volumes
suficientes e no momento adequado, necessárias ao cumprimento do ciclo
biológico dos vegetais, mesmo com as novas características de
precocidade adquiridas. No caso do milho, por exemplo, em linguagem
sertaneja, faltará sempre a chuva da “boneca” (fase vegetativa na qual a
espiga está formada e os grãos estão em processo de desenvolvimento) e
no do feijão o problema residirá na fase de desenvolvimento dos grãos.
Na
visão de José do Patrocínio Tomaz Albuquerque, um dos maiores
hidrogeólogos do Nordeste, os cultivos de subsistência no Semiárido são
importantes, desde que haja aportes hídricos para realizá-los. Segundo
ele, “ a alternativa correta na
produção de alimentos, não é somente uma (sequeiro), mas a correção das
irregularidades que o afetam pelo uso dos recursos hídricos acumulados,
seja superficialmente, seja subterraneamente.
Além, é claro do
incremento do xerofitismo. Porém, sem radicalismos. As águas
subterrâneas continuam desconhecidas e, por isso, subestimadas em sua
importância na correção de tais irregularidades. Principalmente as
contidas nos aquíferos aluviais (há, inclusive, aquíferos aluviais
intermitentes, como os rios, cujas águas não são aproveitadas e se
perdem, também, por evaporação). Só um programa de pesquisas com
sondagens poderia revelar onde e como dispor de todas estas águas
subterrâneas dos aquíferos aluviais. Isso e tantas outros estudos e
ações governamentais é o que falta para encarar, com relativo sucesso, o
problema de nosso Semiárido”.
Isso posto, defendemos um novo modelo de exploração agrícola para ser implantado no Semiárido. Esse modelo deve passar, necessariamente, pela exploração racional da capacidade de suporte da região, com a utilização dos elementos biológicossolo,
água, plantas xerófilas, e animais adaptados, fugindo, sempre que
possível, das culturas de grãos na dependência de chuvas (culturas de
sequeiro). A instabilidade climática da região é muito severa,
resultando, invariavelmente, em perdas frequentes de safras.
Finalizamos
essa breve análise, com uma observação feita por Mônica Silveira,
repórter da Globo Nordeste, quando da realização da Série sobre a Seca de 2013,
editada no mês de maio, no Recife. Numa hora em que estavam recolhendo,
na caatinga, as carcaças dos animais mortos pela seca, a repórter se
referia aos laticínios produzidos na fazenda Carnaúba, evidenciando a
possibilidade de, mesmo em período de seca severa, se “produzir
queijos finos no Semiárido, temperados com plantas nativas da Caatinga,
direto da região mais seca do Brasil. Segundo ela, delicadeza e sabor
para alcançar paladares de quem nem imagina o que é a luta para
enfrentar tanta adversidade”.
Eco Debate
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