quinta-feira, 14 de março de 2013

Analistas avaliam: governo deve investir na pequena agricultura para controlar inflação


Diante da inflação no preço dos alimentos, que atinge uma variação de 10% desde 2008, o governo brasileiro busca medidas em relação ao abastecimento para tentar conter o aumento.

O governo, por meio do Conselho Interministerial de Estoques Públicos de Alimentos (Ciep), analisa a retomada de mecanismos de regulação por meio do estoque.

Uma medida estudada é a venda direta de alimentos pelo governo em caso de elevação de preços de determinados alimentos ou a criação de uma faixa de preços.

Assim, o governo poderia intervir caso o preço dos alimentos esteja fora do preço determinado, por meio da ação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que compraria ou venderia esses alimentos, com ênfase especial nos que compõem a cesta básica.

Analistas avaliam que cresce os preços dos alimentos porque o governo brasileiro não vê na agricultura um elemento estratégico para garantir a soberania alimentar de sua população, deixando os rumos políticos e econômicos da agricultura nas mãos do agronegócio.


Segundo o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária, Gerson Teixeira, “os produtos do agronegócio subtraem áreas dos alimentos básicos da população. Nos últimos 10 anos, as áreas de cana e de soja aumentaram em 100%, e houve redução nas área de mandioca, arroz, feijão, trigo. Em 2012, importamos US$ 334 milhões de dólares em arroz, que é 50% do valor aplicado no custeio da lavoura em nível nacional, e US$ 1,7 bilhões em trigo, o dobro do custeio da lavoura da agricultura no Brasil”.

A vulnerabilidade criada pela dependência das importações de alimentos básicos, aliada à falta de incentivos para a produção interna pela agricultura familiar e pela deficiência dos estoques, agrava o processo inflacionário dos alimentos.

Segundo Débora Nunes, da Coordenação Nacional do MST, as medidas do governo só serão efetivas caso leve em conta a agricultura familiar. “Se houver garantia de oferta de alimentos vindos da pequena agricultura, com uma produção diversificada, conjugada com outras medidas que impulsionem a organização e intensificação da produção nos assentamentos e comunidades rurais, resolveríamos grande parte do problema. Mas se as medidas estiverem desagregadas das demais necessidades e políticas, dificilmente terão resultados a curto e médio prazos”, avalia.

Estoques 

Os estoques de alimentos, apesar de sua importância tanto em momentos de crise de alimentos, como as secas, quanto para servirem como elemento de regulação do mercado, são praticamente inexistentes no Brasil.

Segundo Valter Israel da Silva, da Direção Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), “a política de estoques para controlar os preços para o consumidor primeiramente existia, mas no período do avanço do neoliberalismo foi desmontada. O governo Lula retomou algumas delas, mas os estoques são ínfimos em relação à necessidade. Além disso, há o controle dos estoques de alimentos pelo capital. As empresas particulares compram os alimentos a preços baixos no período de safra dos agricultores, estocam e vendem a preços abusivos na entressafra”.

O controle pelo agronegócio dos estoques afeta diretamente o funcionamento da Conab, já que a formação dos estoques reguladores, que têm como função manter a estabilidade interna dos preços, e dos estoques estratégicos, que garantem o abastecimento alimentar nas situações de insuficiência da oferta interna de alimentos, partem não de um planejamento governamental, mas sim da demanda dos produtores.

“A Conab também é objeto da pressão dos setores do agronegócio. Os estoques são formados em função dos produtores com problemas circunstanciais de renda. Em contrapartida, a Conab faz compras da agricultura familiar. Ela é importante como alternativa de mercado institucional para uma fração dos agricultores familiares, mas ela não tem um alcance para garantir uma política de estoque regulador e estratégico”, afirma Gerson Teixeira.

Programas do governo 

Um dos fatores que pode diminuir a inflação dos alimentos e dar mais condições para os agricultores familiares produzirem é o fortalecimento dos programas do governo que garante a comercialização dos pequenos agricultores, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

“O PAA e o PNAE são importantes do ponto de vista dos produtores e de boa parte da população, principalmente quem está em insegurança alimentar e é beneficiado. No entanto, não são ainda uma política muito abrangentes”, afirma Valter Israel.

A avaliação é que o PNAE deveria passar por uma ampliação de orçamento e reestruturação em seus procedimentos para garantir sua efetividade. “O PNAE depende de interesses de uma comissão local do município, que pode dizer que a oferta não pode ser atendida pela agricultura familiar. O programa fica refém de avaliações tendenciosas. Há projetos de lei para garantir consistência política no PNAE, mas a escala ainda é pequena demais para que esses programas tenham um impacto efetivo nas políticas de abastecimento”, afirma Gerson Teixeira.



Em relação ao PAA, o governo lançou novo edital, que prevê apoio à produção agrícola, beneficiando cooperativas e associações de agricultores familiares, com itens vinculados às atividades produtiva e comercial, como máquinas agrícolas, veículos automotivos e equipamentos de informática.

“O PAA precisa aumentar o limite no valor que pode ser acessado por cada família ao ano ou o teto das cooperativas. Essa operação permite que as famílias ou cooperativas tenham disponível um recurso que serve como capital de giro a ser investido na produção ou na agroindustrialização. E isso só é possível se o governo entender que politicas como esta ajudam no fortalecimento das famílias e investir mais recursos”, propõe Débora.

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) tem que sofrer alterações. O programa deveria tratar de forma diferenciada aqueles que fazem um modelo alternativo de produção; Atualmente, a sua estrutura induz os camponeses a adotar o modelo de produção mercadológico, que faz uso das mesmas técnicas e ferramentas do agronegócio, como a monocultura e os agrotóxicos.
Para incluir os produtores no meio rural e garantir acesso efetivo ao crédito, o Pronaf precisa enfrentar o problema da burocracia e do endividamento dos produtores muitas vezes impedem que estes sejam beneficiados pelo Pronaf.

Alternativas 

Para os movimentos sociais do campo, as saídas para uma política efetiva de estoques e a diminuição da inflação dos preços dos alimentos se dá com mais investimentos na agricultura familiar e na realização da Reforma Agrária.



“Há várias medidas que devem ser tomadas, como a realização da Reforma Agrária, a mudança no atual modelo de produção para um que fortaleça a produção de alimentos saudáveis, com base na agroecologia, garantindo a oferta de alimentos em abundancia em todo país”, ressalta Débora.

“É uma vergonha um país como nosso importar feijão e arroz. Basta ter incentivos e garantir o acesso à terra a quem quer trabalhar nela, que com certeza nós seremos autossuficientes nesses produtos. Dentre esses incentivos está acesso à terra, água e sementes, a criação de uma política de crédito adequada, para incentivar o processo produtivo, com assistência técnica em torno da produção”, afirma Valter Israel.

Para Gerson Teixeira, a Reforma Agrária e os investimentos na agricultura familiar são cada vez mais estratégicos. “Proponho um programa de autossuficiência alimentar, e quando digo autossuficiência não é só a busca do nivelamento entre produção e consumo, mas é a produção mesmo em escala, pois os cenários futuros são sombrios. Um país como o Brasil, tem condição de não apenas ter uma política de soberania alimentar para sua população, mas também de ser solidário com os países que tem dificuldade para isso. É inaceitável que o país não veja essa questão como estratégica”.

Os movimentos sociais cobram também medidas do governo para desenvolver os assentamentos e pequenas propriedades, modernizar a produção e garantir logística para a comercialização.
“Temos que garantir infraestrutura social para a permanência de povo no campo, com educação, água, energia elétrica, sistemas de irrigação, tecnologia adequadas às necessidades da pequena agricultura, como as agroindústrias e as cooperativas”, ressalta Débora.

“A questão logística, que envolve secagem, armazenagem, distribuição, políticas de estoques e de preços mínimos, tem que ser melhorada para que o alimento chegue à população que necessita a preços acessíveis e que o agricultor possa vender a preços justos”, afirma Valter Israel.


MST

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